quarta-feira, 23 de agosto de 2023

Despovoamento

Até aqui, onde o Inverno começa a 1 de Agosto, está calor. Exultam os viciados em areia, raios solares e água do mar. Caem em bando pelas praias em vez de procurarem uma clínica para tratamento da adicção. Fui a uma esplanada, apenas com o nobre intuito de classificar o pastel de nata que por lá se vende, mas não me demorei, pois, mesmo sob uma sombra protectora, estava calor. O pastel de nata era bom, mas não me parece, contra outras opiniões, que mereça estar no top five ou top ten dos pastéis de nata. Contudo, não sou especialista no assunto. Recebo um email e penso que a paisagem se está a despovoar. Sou informado que morreu alguém que conheço há décadas. Não era pessoa com quem tivesse grande proximidade, mas tínhamos uma relação cordial de conhecidos de há muito. A última vez que falámos foi num serviço de lavagem de automóveis, quando esperávamos que os nossos carros ficassem com um aspecto civilizado. Não tornaremos a falar. É isso que a morte tem de tenebroso. Impede as pessoas de continuarem a falar ou de se ver. Introduz o martelo da certeza num ambiente feito de acasos e incertezas, esmagando todas as possibilidades que poderiam existir. Numa estante ao lado da secretária, está Mistérios, um romance do norueguês Knut Hamsun, a única obra traduzida do autor que ainda não li. O livro tem a capa e a contracapa pretas, mas a lombada é azul. Foi isso que me perturbou. Uma lombada azul num livro de capas pretas. Ao considerar aquele azul, designei-o como azul-cobalto. Fiz uma pesquisa para avaliar a minha designação e descubro, consternado, que são legião os azuis designados desse modo. Entre tantos, também se encontrava o da lombada, o que me pacificou. Enquanto não acabo a leitura do primeiro volume de Crónica dos Sentimentos, de Alexander Kluge, tenho de decidir se o próximo livro a ler será o de Hamsun ou o de Gyula Krúdy, As aventuras de Sindbad. Antes disso, porém, terei de almoçar.

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