terça-feira, 15 de agosto de 2023

Livre-arbítrio

Este é o feriado menos visível no conjunto dos dias em que a realidade quotidiana dá lugar a uma outra realidade, onde se distingue a marca da excepcionalidade. Nos dias que correm, a excepcionalidade não provém da sacralidade do dia ou do seu significado cívico, mas do facto prosaico de o tempo ser propriedade da própria pessoa. Nos outros dias, as pessoas alugam o seu a terceiros ou a si próprios, pois possuem corpo e este tem um conjunto de necessidades que exigem o mergulho no tédio da quotidianidade, com a sua procissão de horas de trabalho. Uma das grandes questões da existência é a da negociação que cada um tem de fazer para ser proprietário do seu próprio tempo, para o poder dispor segundo o seu arbítrio. Isto supõem que este, o arbítrio, seja livre. Caso não exista livre-arbítrio, então nada do que foi dito faz sentido. Tudo se inscreve numa cadeia causal e aquilo que acontece a cada um está determinado de tal modo que a sua vontade vale rigorosamente zero. Hoje, no uso do meu livre-arbítrio, fiz um número significativo de pontos cardio. Começo a fazer caminhadas, agora que o pé direito se está a libertar das consequências da intervenção a que foi sujeito. As minhas netas estão a fazer as malas e não tarda vão-se embora. A casa vai ficar mais vazia. Perante o facto, começo a desconfiar da minha crença no livre-arbítrio. Talvez exista uma incompatibilidade entre os diversos livres-arbítrios e será ela que nos dá a ilusão de que o determinismo é verdadeiro. Vale-me ser feriado. Não se perde tudo.

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