quinta-feira, 24 de agosto de 2023

A tragédia da escolha

Decidi-me pela leitura de Mistérios, de Knut Hamsun. O escritor norueguês é um caso curioso. A sua biografia tem aspectos, no campo político, nada recomendáveis, pelos quais pagou, embora um preço muito mais baixo do que o pago pelo escritor francês Robert Brasillach. Do ponto de vista literário é um dos precursores – senão mesmo dos cultores – do modernismo, ao mesmo tempo que, enquanto pessoa, era um anti-moderno, embora afirmando, de forma hiperbólica, uma das características da modernidade, o individualismo. É possível que seja desta amálgama ideológica que nasça o poder de atracção que têm as suas narrativas. Pode-se pensar que escolher entre duas obras qual ler em primeiro lugar é uma aventura irrelevante. Sê-lo-á apenas na aparência. Nunca se tem em contra nem o drama da deliberação, com o seu pesar dos prós e contras, nem a tragédia da decisão, que implica sempre eliminar todas as alternativas menos uma. Em toda a escolha há um elemento trágico, uma negatividade que se consuma. E tudo isso traz consigo um enorme cansaço e uma indisposição para partilhar os pensamentos íntimos e as feridas a sangrar no recôndito da alma, caso este tenha veias e artérias.

2 comentários:

  1. Sobre vasos sanguíneos:
    Este cansaço, esta indisposição; ou esta alma?
    Sobre a tragédia da escolha, janto a ouvir Madama Butterfly;
    Sobre o despovoamento aconselho The Seven Year Itch, do Billy Wilder.

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    1. Tendo em conta as temperaturas nacionais, fico-me pelo filme do Wilder. A Butterfly, lá mais para o Outono. O calendário também tem os seus imperativos.

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