sábado, 26 de agosto de 2023

Versatilidade

Acabo de bocejar, isto é, abri a boca com sono. Podia ser um sinal de aborrecimento, mas nada nem ninguém nesta hora me aborrece. O facto de não estar a fazer nada poderia aborrecer-me, mas não é o caso. Por outro lado, estando sentado à secretária sem vivalma por perto, também não posso imputar a outrem um aborrecimento. Resta-me o sono. Há razões para crer nessa solução. Um almoço tardio e generoso, um consumo no limite da moderação de um tinto, uma pequena sombra de calor, tudo isto torna verosímil o facto de ter aberto a boca involuntariamente com sono. O mais sensato seria dormir em vez de estar a escrever isto. Contudo, tenho de o confessar, estar a escrever tem, neste caso, uma função instrumental. Faz parte da luta contra a preguiça e a sonolência que, mancomunadas, me invadem o corpo. Parte desse combate está também na leitura de Chesterton. Diz ele que Carlyle terá afirmado que os homens eram maioritariamente idiotas. Isso faria parte de uma argumentação a favor da aristocracia. Contudo, o criador das aventuras do Padre Brown discorda. Na sua perspectiva, derivada do Cristianismo, todos os homens são idiotas. Parece-me uma correcção razoável e, tanto quanto se refere a este narrador, plenamente corroborada pelos factos, pelos actos, pelos escritos e pelos ditos. Não esquecer as omissões, pois também se peca por estas. Uma coisa que me espanta – para ser franco, que me assunta – é a minha versatilidade. Começo o texto pela fisiologia do bocejo e arriscava-me a acabá-lo numa meditação teológica, não fora terem-se intrometido considerações de ordem psicológica. Tudo matérias que, versatilmente, ignoro.

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