segunda-feira, 28 de agosto de 2023

Pecado de Onan

Fim de festa, por aqui. Pouca gente nas praias, pouca gente nas esplanadas, pouco trânsito. Tem sido um bom ano de praia. Ainda não pus os pés na areia, mas tenho sérias e fundadas dúvidas que consiga levar a proeza até ao fim, e este ainda vem relativamente longe. Um poema de Fernando Guimarães tem por título o nome de uma poetisa, Anna Akhmatova. Penso que os poemas não deveriam ter título, mas suspeito estar enganado. Os títulos estão para os poemas como os nomes para as pessoas, alguém, na minha mente, argumenta. O problema será esse, respondo também dentro da minha mente. É um diálogo mental. Problema? Sim, pois ninguém é o seu nome. Um nome, continuo, é uma etiqueta e, mais do que isso, uma forma de obstar a que cada um se confronte com a questão quem sou eu? O nome oblitera a indagação, pois apresenta uma solução juridicamente suportada. Não rasura apenas essa questão, mas também a que viria a seguir, o que sou eu? Ora, se um nome tem este efeito de obscurecimento para uma pessoa, também um título oculta, nessa enunciação breve, o mundo que se apresenta no poema. Depois, ainda na minha mente, eu digo que talvez não existam poetas e poetisas, nem poemas, nem títulos, a não ser em mim, uma das muitas ilusões que o génio maligno encontrado por Descartes lá põe para eu imaginar que existe um mundo onde há praias com areia, esplanadas, poemas e outras coisas insensatas que estou sempre a imaginar que existem. Pergunto-me, por vezes, sobre as razões que levaram esse génio maligno todo-poderoso a criar só a mim, isto é, só a minha mente, que ele se entretém, eternidade atrás de eternidade, a enganar, criando nela quimeras. O mais terrível pensamento que me ocorre é que o génio maligno sou eu, isto é, a minha mente que se autocriou para derrotar o nada e se entreter a si mesma num onanismo cognitivo produtor de fantasias. Estas são causa, como se sabe, de não poucos exercícios onanistas, caso estes existam, coisa pouco provável, pois exigem um corpo, daqueles corpos que andam pelas areias da praia, mergulham nos oceanos e, o pior de tudo, falam. As mentes – e há só uma – não se podem entregar ao pecado de Onan, embora não exista consenso sobre o que foi realmente compreendido como pecado no comportamento do neto de Jacob.

Sem comentários:

Enviar um comentário