terça-feira, 1 de julho de 2025

Demanda do Graal

Tenho de arrumar as coisas – ia dizer a tralha –, pois vou em demanda do Santo Graal. Contudo, aquela é para mim uma procura prosaica, nada comparável com a do Cálice da Última Ceia ou a da busca empreendida pelos Cavaleiros da Távola Redonda. Se o encontrar – ao Graal –, partilho a informação sobre a sua natureza. Uma pessoa sensata dirá que, para encontrar alguma coisa, é preciso saber o que é. Ponto de vista discutível. Se se sabe o que é, então já, de algum modo, se encontrou o que se procura. A minha demanda, todavia, é mais radical: procuro, mas não sei o que procuro; saberei, porém, que o encontrei quando o encontrar. Será uma revelação e um encontro. Podia dar exemplos pessoais, mas isso seria expor a intimidade, ainda que narrativa, ao público – uma intimidade que, muito plausivelmente, não possuo. Quem tem uma intimidade não deve trazê-la para o espaço público; quem não a tem ainda deve ser mais cauteloso e protegê-la com mais afinco. Porquê? Porque, se se tem uma coisa, essa posse gera inveja e ressentimento; quando não se tem, a inveja e o ressentimento recrudescem ao incidir nesse poder ser sem posse. De certa maneira, sou como Ulrich, personagem central do romance de Musil, O Homem sem Qualidades: ele não tinha atributos definidos, mas tinha em aberto a possibilidade de ter qualquer um. Tal como eu. Também não tenho intimidade, mas a possibilidade de ter qualquer uma está em aberto. Ter uma intimidade é fechar-se a todas as outras. É possível que o Graal, objecto da minha demanda, seja uma intimidade. Se o for, porém, desisto de realizar o objectivo: prefiro a possibilidade à realidade. Como tantas vezes tenho escrito aqui, a realidade é como a história: uma velha rameira infrequentável.

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