domingo, 5 de outubro de 2025

Tempo humano

Um domingo feriado. Que diferença faz isso, se agora todos os dias são, ao mesmo tempo, domingos e feriados? Faz mais do que se possa imaginar. Imagine-se uma batalha entre o tempo cósmico e o tempo social. Um marcado pela indiferença absoluta, o outro pela diferenciação exaustiva trazida por convenções que servem como bússola. Entre ambos, existe outro tempo, o tempo humano, aquele que navega entre o cósmico, produto da natureza, e o social, produto da sociedade humana, um tempo que está sempre à beira de ser esmagado por eles. O tempo humano não é a mesma coisa que o tempo social, apesar deste ser criação humana. É antes um exercício de acomodação entre um e o outro, uma negociação sempre difícil com dois negociadores intransigentes. É preciso um grande talento para conseguir umas migalhas de tempo humano, um tempo em que a liberdade de cada um lhe permite moldar a experiência da duração em conformidade com aquilo que lhe está a acontecer, ora dilatando o seu tempo, ora diminuindo-o. Talvez tenha sido isso que sentiram os republicanos que há 115 anos proclamaram a República, ou Afonso Henriques que há 882 viu reconhecida a Monarquia e a sua pessoa como Rei. Pois esses acontecimentos não são nem cósmicos, nem sociais. Inscrevem-se no mundo cósmico e fundam o mundo social, dependem de um outro tempo, aquele que os gregos designavam por kairós (καιρός), que, sendo divino, é também a emergência do tempo humano.

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