A luz de Inverno é um promontório de onde espreito o mundo. As casas
vacilam no meu olhar e as pessoas, tão pequenas se vistas daqui, caminham
oscilantes, com o pensamento ocupado em sabe-se lá que demandas. Protejo-me
nestas escarpas luminosas, tudo o que vejo imagino-o como um oceano matinal,
perdido no ir e vir da ondulação, a rumorejar bravio na pressa do trânsito. O
melhor que a idade traz, penso, é poder confundir tudo, o mar com a cidade, as
pessoas com cristas das ondas, o fluxo do trânsito com o ribombar das águas
salgadas ao bater na escarpa. Quando a luz de Inverno se transformar em luz
primaveril, o mundo começa a tornar-se plano. O promontório de onde espreito
será então uma charneca polvilhada de pedras e desolação.