sábado, 11 de setembro de 2021

Descontinuações

Por aqui, o calor voltou, veio menos dramático, mais dado à fleuma, do que antes. A luz solar está mais amarelada, como se o Sol fosse um enorme vegetal cujas folhas começam a apresentar sinais de maturidade. Tive de ir às compras e estou decepcionado com a longa ausência das prateleiras de um certo chocolate que combina o cacau e o piripiri. Omito a marca, na verdade havia por aqui duas marcas, uma nacional e outra estrangeira, que tinham essa combinação no catálogo. Talvez o tenham descontinuado, coisa que, nos tempos que correm, acontece muito. Ninguém deixa de fabricar seja o que for, apenas descontinuam o produto. Assim, os seres vivos que morrem não morrem, são descontinuados pela vida. Este tipo de linguagem irrita-me. Os trabalhadores foram descontinuados. Agora só existem colaboradores. Noutros tempos existiam colaboracionistas, mas sobre isso omito o comentário. Também há palavras que me irritam. A mais recente é resiliência. Estou cansado de tanta gente resiliente que desaba ao primeiro choque com a realidade. A espécie humana tem uma inclinação natural para o fetichismo e nunca perde a oportunidade de transformar uma pobre palavra, que não passa de uma curta emissão de ondas sonoras, um flato vocálico, num fetiche. Estou convencido de que se os seres humanos se contivessem na emissão de palavras, os gases com efeito de estuda poderiam diminuir na atmosfera. Como tenho dito, sou dado à hipérbole, embora me falhe a ironia. Para isso teria de ser inteligente. Ora, não é esse o caso. Que saudades do chocolate negro com chili. A vida está sempre a descontinuar-se. É pena que não descontinuem a resiliência.

5 comentários:

  1. Também gosto muito de chocolate picante e também com sal, desenjoa e dá-lhe outra graça...mas creio haver muitas marcas, não apenas duas. Da resiliência também gostava...mas era dantes, quando não a tinham gasto e tantas vezes mal usada.
    ~CC~

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    1. Há várias marcas a oferecer esse tipo de chocolate, mas aqui há - havia - apenas duas. Uma nacional e outra austríaca. Faltou-lhes a resiliência. Talvez tivessem pouco procura por aqui.

      HV

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  2. Não dou a mínima importância a produtos descontinuados, excepto quando me dizem que algo que pode salvar uma vida já não se fabrica. E não se fabrica porque é raramente requisitado. Tudo é intersubstituível, vamos aprendendo.

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    1. Claro, é uma questão de mercado. Por outro lado, a descontinuação faz parte de uma estratégia ligada à obsolescência dos produtos, mas este tipo de estratégias e saberes passam-me ao lado. O que acho graça é à palavra. O produto foi descontinuada. Poder-se-ia dizer o produto já não se fabrica.

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    2. Deveria haver uma fronteira mais lata entre essencial e obsolescente.
      Precisamos de quase neologismos para justificar certas incompetências. É claro que percebo que a sua abordagem, mais fleumática, ainda tem resquícios de Agosto.

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