segunda-feira, 7 de julho de 2025

Louvor da trivialidade

A trivialidade é um disfarce daquilo que não é trivial, cuja luz é de tal modo intensa que não a suportaríamos. Cultivar a trivialidade é uma estratégia de sobrevivência, pois nenhum mortal poderia estar continuamente a confrontar-se com aquilo que causa espanto. Os antigos Gregos fizeram dele – do espanto – o início da Filosofia. Implicaria uma atitude radical de corte com o que parece óbvio, mas, mesmo aí, há um mecanismo de defesa. A Filosofia, ao furtar-se ao óbvio quotidiano, acaba por instituir uma obviedade mais complexa, mais elaborada, mas que acaba por ter o efeito de dissolver o espanto. Nem o corpo nem o espírito humanos suportariam estar, a cada instante, a confrontar as coisas óbvias e triviais, pois é nesta modalidade de existência – a obviedade e a trivialidade – que a vida é possível. Hábitos e rotinas fecham-nos os olhos para o excesso que toda a realidade comporta em si mesma. Isso, porém, é o preço a pagar para estarmos vivos. Isto tem uma consequência interessante: a vida implica sempre um grau de alienação, de estranhamento a si mesmo, pois aquilo que somos é sempre excessivo para aquilo que suportamos. Alienarmo-nos é uma estratégia de sobrevivência. Quem suportaria ver-se como realmente é? A educação de um ser humano é um processo de contínua trivialização de si, para que o excesso de luz e de trevas que há em cada um não o arraste para fora da vida. 

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