sexta-feira, 4 de julho de 2025

Mundos possíveis

Confirmei a tese de ontem. Na caminhada matinal, ao chegar ao molhe, este estava pejado de gaivotas. Também as praias eram poiso de bandos enormes dessas aves. Nem na água nem na areia se vislumbrava um único surfista. Se a tese não estava definitivamente confirmada – uma impossibilidade –, estava corroborada: a presença de surfistas implica a ausência de gaivotas. É evidente que o meu argumento é falacioso, mas poupo a demonstração. Terei de me cuidar, antes que pensem que creio na existência de uma relação causal entre a presença de surfistas e a ausência de gaivotas. Neste mundo, não é difícil apontar um contra-exemplo que mostre que a minha crença é falsa. Contudo, haverá um mundo possível em que a relação causal entre ambos os fenómenos será real. Podemos imaginar que, nesse mundo, os surfistas, um dia e por um motivo qualquer, decidiram atacar as gaivotas. A violência do ataque levou a que elas aprendessem a evitá-los, como uma modalidade de adaptação da espécie ao meio. Este mundo é possível porque nele não há qualquer contradição lógica. Um ataque de surfistas não é uma impossibilidade. A aprendizagem das gaivotas e a sua adaptação ao meio também não. O molhe que estava pejado desses animais termina num farol, e o ritual – o meu – é caminhar pelo molhe, contornar o farol e voltar por onde vim. São centenas de metros para um lado e para o outro, rodeado de água, com praias a perder de vista, barcos a passar e outros ancorados. Àquela hora da manhã ainda não havia pessoas nas praias. Só gaivotas. Agora que penso em tudo isto, descobri outra possibilidade. As gaivotas colonizam as praias, mas a certa altura transformam-se em surfistas e, por isso, quando se vêem uns, não se podem ver os outros, apesar de serem os mesmos. Imagino que haverá um mundo possível – talvez aquele em que Ovídio esteve para escrever as Metamorfoses – em que é possível aves transformarem-se em pessoas e vice-versa. Tudo é possível neste vasto universo. E, se não for neste, será num outro.

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