As minhas netas, montadas nas bicicletas e de capacetes nas
cabeças, voltejavam sem parar no espaço público que separa os prédios da zona
onde vivo. Eu estava ali, especado, a apanhar o sol frio do fim da tarde, com o
duplo papel de polícia sinaleiro e segurança privado. E enquanto ia dando
indicações ao trânsito e vigiava os perigos que poderiam surgir, a minha
memória recordava os dias em que tinha a idade delas e ia para rua. Sem
sinaleiros nem serviços de segurança. Talvez uma mãe por outra assomasse
discreta à janela, mas a última coisa que queríamos era que nos orientassem os
passos ou vigiassem os projectos. A rua era um território livre de ameaças, a
não ser algum polícia que pudesse aparecer para nos levar a bola, como
exercício de autoridade e manifestação de despotismo. O azul do céu de inverno
era, naqueles dias, tão puro como o de hoje, mas as mentes dos adultos de então
eram, incomparavelmente, mais inocentes e límpidas do que as nossas. A culpa
que nos habita faz-nos temer sempre o pior.