Ao fundo, sob o punhal do sol, o castelo reverbera. Há no
brilho da pedra uma tal indiferença que o olhar recua e dobra o joelho em busca
de piedade. Habituamo-nos às coisas e não escutamos a sua linguagem. São tantos
os anos que passaram por aquelas muralhas, que é desdém o que elas destilam
perante a nossa pobre azáfama com o fim de ano e o começo de outro. Para quê?,
parecem elas perguntar, enquanto se deixam embalar pelo vento leve que, como um
amante embevecido, as toca com cuidado. Na avenida, mesmo aqui em baixo, as
pessoas passam, cumprimentam-se, desejam-se bom ano, mas ninguém vê o riso
escarninho que se solta daquelas ameias que já viram de tudo. Rasgadas pela
lâmina solar, sangram passados remotos e ilusões perdidas. Tal como nós.