Nas ruas, um manto de tristeza abate-se nas árvores
desfolhadas pela invernia, enovela-se nas faces de quem passa. Os carros gorgolejam
indiferentes, motores a rezar o responso, faróis como velas a iluminar um altar
sem Cristo nem santos. Os ciprestes anunciam o cemitério e a cinza do dia, tingida
pelos odores oleosos da morte, ergue-se sobre a cidade, rumoreja traições e
desditas, poisa nas casas escalavradas, roídas pelo tempo, suspensas no punhal
do abandono. Encolho os ombros, olho a desventura a porejar em portas que já
não se abrem, vejo a morte a pairar em paredes sulcadas de rugas. Nenhuma
maquilhagem as disfarçará. O tempo é um cavalo negro e corre à desfilada para
dentro do meu esquecimento.