A manhã deslizou sem
sombras. Saio e o dia anuncia o Ano Novo, como se este fosse uma promessa.
Percorro a avenida. As pessoas trazem ainda no rosto o cansaço do Natal, esse
exercício de penitência disfarçado de alegria. Vou vazio e nenhuma ideia se fixa
na mente. Sou um espelho e reflicto aquilo que passa diante de mim. Um cão a
ganir, os carros em marcha lenta, gentes que entram ou saem dos cafés. Paro
diante de um e hesito em entrar. Vejo, ao fundo, alguém conhecido. Sigo
caminho. Não estou sociável e o sol, o sol de inverno, chama-me. Pertenço mais
ao reino vegetal do que ao social, pensei, não sem contentamento. Vou passeio
fora como se vegetasse, ou fosse um espelho, ou um grão de areia perdido à
beira do oceano. A cidade curva os ombros sob o peso da luz, uma criança corre
num relvado. A mãe olha de dentro do seu desvelo. E isso basta.