domingo, 30 de dezembro de 2018

Uma tarde

Passei a tarde, com as minhas netas, entre o Arripiado e Constância. O sol invernoso erguia-se magnífico sobre o Tejo e tudo estava tingido por uma serenidade que se inclinava para a melancolia. As águas corriam suaves, um barco desprendia-se do cais para levar os visitantes ao castelo de Almourol, os chorões, como súbditos perante o senhor, dobravam-se e tocavam com os ramos no chão. Enquanto as crianças corriam, nada bulia e o espectro da perfeição perfilava-se no horizonte, uma garantia de que Deus existe e a terra pode ser um paraíso. Cheguei a Torres Novas já a noite caía. Então, as luzes de Natal atingiram-me como os estilhaços de uma bomba e acordaram-me da irrealidade onde o Tejo me tinha mergulhado. Contemplei-as, infeliz. Talvez Deus não exista e, por certo, aqui não é o paraíso, pensei, enquanto entrava na garagem.