Ontem, ao passar pela Lagoa de Óbidos, lembrei-me das dores que
atormentaram Agamémnon, ao partir para guerra, tão ansioso do sangue dos
troianos e do prazer da vingança. A certa altura, vi umas velas de windsurf
empurradas sem furor pela brisa vinda do mar, enquanto alguns guerreiros, com a
sabedoria dos juncos, se equilibravam sobre as pranchas. Há muito que não via
gente a praticar windsurf, pensei com tristeza ao olhar o descolorido daquelas
velas. Depois, deu-se um curto-circuito e perguntei-me o que sucederia se o
vento desaparecesse e uma acalmia sem fim caísse sobre a lagoa. Haveria uma
Ifigénia para sacrificar por um Agamémnon exaltado? O carro rolava devagar e
dócil como as asas de uma borboleta ao sol da manhã. Ao perder o bando de
velejadores de vista, logo me esqueci de Ifigénia, de Agamémnon e do cruel
destino que foi o deles. A fidelidade é um exercício difícil, dissertei ao
recordar-me há pouco de tudo isso. O melhor será pensar noutra coisa.