sábado, 7 de abril de 2018

Presunção


Não cozinhar pode ser uma virtude, mesmo num tempo em que o saber fazer alcance elevada cotação no mercado em que todos vivemos. Foi o que me ocorreu quando entrei num takeaway e me vi rodeado de gente que me fazia passar pela ilusão de ser novo. E enquanto as empregadas, com zelo e bonomia, iam despachando encomendas e satisfazendo caprichos, eu sentia que os que me rodeavam, caso tiver sorte, são o meu futuro. Quando saí para a ira ventosa da rua, ri-me com a minha presunção. Não, não são o meu futuro. São o meu presente. Fechei a porta do carro, pu-lo a trabalhar e o rádio devolveu-me uma oratória de Händel, O Messias, precisamente. Bem preciso de quem me salve, pensei ao desfazer uma curva em direcção a casa. A chuva caía lúgubre e hesitante. Mais logo, talvez o sol rompa a muralha das nuvens. O melhor mesmo, para não cair em metáforas mortas, seria não pensar, pensei.