O tempo desbarbariza-se. Há nuvens, vai chovendo, mas o vento sopra com mansidão e, no céu, lagos de azul deixam o sol chegar à terra. No campo de jogos da escola vizinha, um grupo de adolescentes corre sem pressa, num ritual de aquecimento que talvez anteceda algum jogo. Medito nas coisas que, com o tempo, se me foram tornando incompreensíveis. É possível que a morte não seja uma determinação biológica, mas um evento semântico. Quando a realidade perder sentido, então a morte chega para resgatar a pessoa da turbulência em que vive trazida pela ausência de significação com que o mundo se revestiu. Tudo é mais confuso do que se pensa e talvez não haja coisa mais obscura do que as razões que movem a morte. Um raio de sol ilumina a frota de nuvens que atravessa o meu horizonte. Elas resplandecem, enquanto eu penso no que tenha para fazer ainda hoje. Uma árvore podada estende os dedos curtos para o céu, mas nenhum anjo poisa nela. Os adolescentes recolheram-se, os carros passam na avenida, as pessoas entram e saem dos cafés, e eu olho para as páginas de um livro em que se discute a vexata quaestio se uma máquina pode pensar. Eu sei que não posso, mas não sou uma máquina.
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