Hoje está um dia verdadeiramente octúbrico, pensei enquanto uma chuva miúda descia sobre mim. Pena é que ainda não tenham inventado a palavra octúbrico, mas não vejo outra que possa designar a presença de Outubro neste primeiro dia do mês. Talvez alguém a tenha pronunciado ou mesmo escrito e eu não saiba. Muito vasta é a minha ignorância. Digo isto apenas para parecer humilde e não atrair sobre mim os maus espíritos que andam por aí a esvoaçar. Estive a oficiar durante duas horas ao ar livre. A máscara interpõe-se entre a minha voz e o mundo. Fico com a garganta arrasada. Chegado a casa, fui a uma das janelas para ver o que se passava na rua. Não se passava nada a não ser gente a passar, uns a pé e outros de carro. Olhei para os telhados dos prédios envolventes. Fiquei preocupado. Há uns dias que não vejo por lá os anjos que costumam poisar naqueles sítios. Talvez tenham ido em missão a algum sítio em dificuldade ou foram hospitalizados com o novo vírus. Nunca se sabe. Também é possível que se tenham disfarçado de pombos e andem por aí a esvoaçar, arrulhando por aqui e por ali. À saída do lugar de frutas e legumes onde entrei para comprar feijão-verde encontrei a Lu, a irmã da Marília do Dirceu. Estava risonha. Que a chuva a tinha impedido de acabar a caminhada. Disse isto com aquele seu ar de heroína grega, de Antígona que escapou às garras de Creonte, o que lhe diminui a faceta trágica, mas permitiu-lhe deixar um rasto de fogo no mundo. Tenho de me despachar e deixar de escrever idiotices. Esperam-me. Ainda tenho duas homilias para proferir. O pior é garganta.
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