Não é implausível que, uma vez ou outra, no céu da minha consciência perpasse uma nuvem de nostalgia. Não uma nostalgia vulgar por alguma coisa que se viveu ou amou, mas pela mais autêntica das nostalgias, aquela que nasce de um amor nunca tido ou de uma coisa jamais realizada. Foi isso o que me aconteceu há dias, continuou Rogélio, um dos meus velhos amigos, quando vi à venda um livro do italiano Giovanni Papini. Nunca o lera, mas recordei as capas soberbas com que as Edições Livros do Brasil o punham à disposição do público português. Ao vê-lo, trata-se de Gog, na montra de uma papelaria esquecida numa vila remota do interior, nem hesitei. Uma estranha ânsia tinha tomado conta de mim, pois temi que, mesmo sem ninguém dentro do pobre estabelecimento, além do proprietário, algum cliente secreto ou invisível se interpusesse entre mim e o objecto do meu desejo. Ao pegar-lhe senti uma comoção, das mais autênticas que me tenho imaginado, e folheei-o com avidez. Há dias que o arrasto para onde quer que vá. Aqui Rogélio mostrou-me o livro. Estava ferozmente anotado nas margens com uma letra ilegível que reconheci ser a dele. É verdade que esta história não interessa a ninguém, mas também, embora sem nostalgia e de coração seco, me decidi a procurar o livro no primeiro alfarrabista que o oferecesse a um preço decente. Chegou-me hoje, com evidências claras de as suas páginas nunca terem suportado o peso do olhar de um leitor. Hesito por onde começar. Pela visita de Gog a Einstein, ou a Lenine, ou a Freud? Talvez comece pela que fez a Knut Hamsun. Ou talvez nem o leia ou nem sequer o tenha comprado, apenas tenha sonhado tudo isto quando, sentando-me diante do computador para trabalhar na salvação da humanidade, adormeci, até que alguém me comunicou que o meu ressonar deveria incomodar os vizinhos do prédio mais distante da rua.
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