terça-feira, 1 de junho de 2021

Começar com um refugiado

Sem se dar por ele, Junho instalou-se. O dia esteve carregado, como se ameaçasse tempestade. O corpo, envolvido pela tensão eléctrica, exigia-a. O tempo, porém, recusou-se a um espectáculo de luz e de bombos celestes. Manteve sempre uma tonalidade crepuscular e na rua a temperatura não subiu muito. Descubro que a pintura representou pela primeira a Via Láctea em 1609. Coube o feito a Adam Elsheimer, numa representação da fuga para o Egipto. Curiosamente, só em 1610, no Siderius Nuncius, é que a ciência moderna, então a dar os primeiros passos, confirma, pelo trabalho de observação de Galileu, aquilo que o pintor mostrara, a nossa galáxia como uma acumulação de incontáveis estrelas. Especula-se que o pintor também teria algum interesse pela ciência e que talvez tenha dado uma espreitadela num desses primeiros telescópios. O quadro encontra-se na Alte Pinakothek, de Munique, onde a Via Láctea se continua a mostrar tal como a viu Elsheimer e a Sagrada Família, sobre um burro, permanece em fuga para o Egipto. A religião cristã começa com um refugiado. Talvez isso devesse dizer alguma coisa Europa fora, não se tivesse tornado esta mais pagã que cristã. Por aqui, nada indica que se possa contemplar a Via Láctea, esta noite.

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