O dia começou com uma visita ao laboratório de análises clínicas. Tudo muito eficiente e despachado, mas – há sempre um mas – também um pouco desconcertante. Outrora sabia de quem era o laboratório, passava pela proprietária, cumprimentava-a, fazia parte de uma paisagem bem definida. Passou, há uns tempos, para uma grande cadeia de laboratórios, da qual nunca chegarei a saber quem é o proprietário. Não é que tenha algum interesse em conhecer donos de laboratórios de análises ou de supermercado, ou seja lá do que for. A questão é outra. A paisagem despovoa-se. As coisas que tinham donos por todos conhecidos entraram numa vertigem tal que os donos foram sugados e enviados para Marte. Tudo se tornou anónimo, obediente a normas burocráticas e a imperativos de racionalização. O espaço para o improviso, para recorrer, em caso de necessidade, à fonte do poder, esse espaço está morto. As pequenas cidades de província – também as não tão pequenas – vão-se tornando em dormitórios de assalariados de poderes estranhos, sem rosto. Tudo a fingir que se está num sítio muito civilizado, muito cosmopolita. Não, não se está. Sempre desconfiei de que o jejum que antecede a realização da colheita dos materiais a analisar não faz bem a ninguém. A mim, por exemplo, dá-me para devaneios sociológicos. Ora, o que me interessa a sociologia? Tanto como a psicologia, isto é, nada. Seja como for, as coisas são eficientes, os resultados já chegaram por email, agora encriptados, a que só se pode aceder com uma password, vá lá alguém saber que tenho o colesterol onde deve estar, mas os triglicéridos estão com ligeira inclinação para a hipérbole. Imagino que este encriptamento dos resultados deve ser uma vantagem competitiva do laboratório contra os rivais. Um admirável mundo novo.
Sem comentários:
Enviar um comentário