Comprar livros em segunda mão é um exercício virtuoso, um modo de reciclar o papel, sem desfigurar o objecto que o usa. Em tempos, comprei, num desses leilões de livros que ocorrem nas redes sociais, uma Histoire du Roman Moderne, de R. M. Albérès, publicada em 1962, pelas Éditions Albin Michel. O anterior proprietário, suponho que português, cuidaria com esmero dos seus livros, pois a obra está encadernada, mas com cuidado de manter, no interior da encadernação, as capas originais. Estava a folheá-lo e deparei-me com um folheto, que presumi ser da mesma idade do livro. Publicitava o Méthode A.B.C. Este serviria para pôr um pobre mortal a desenhar e a pintar de um dia para o outro: Apprenez aujourd’hui à dessiner et à peindre par la Méthode A.B.C. Pena que não existisse em Portugal, escusava eu de passar pela humilhação de ser o pior aluno do colégio em Desenho, título que não foi confirmado em exame nacional, esclareça-se. Chego sempre tarde a tudo o que é essencial. O folheto tem inclusive alguns testemunhos que comprovam a eficácia do método, um cavalheiro de Seine-et-Oise, outro da zona de Charente-Maritime, uma menina – Mademoiselle – belga e, de Saumames-de-Vaucluse, outro cavalheiro, mas de nome português. Não consta que tenha ficado na história da pintura, apesar de se ter dado conta desde a primeira lição de reais progressos. Guardo o folheto dentro do livro, este na prateleira e olho a noite pura maculada pela iluminação pública e as luzes melancólicos do hospital. A sexta-feira declina.
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