Um acaso levou-me à descoberta de uma incongruência, ou de um anacronismo, se se preferir. Numa obra do filósofo italiano Giorgio Agamben, encontro uma referência a um S. Frutuoso de Braga. Fui pesquisar quem era e, nessa procura, encontro a referência de ter sido antecedido, no arcebispado de Braga, por Potâmio. É neste que está o problema. É dito ser um religioso português, bispo de Braga. Ora, Potâmio — assim como Frutuoso — viveu no século VII, altura em que Portugal não existia, nem ninguém pensava no assunto. Podia acontecer que existissem portugueses antes de existir Portugal, mas não é o caso. Primeiro existiu Portugal e, depois, vieram os portugueses. Potâmio seria um visigodo e, por certo, se lhe dissessem que era português, nem perceberia o que estavam a dizer. As fidelidades que temos são com o presente e com o passado. Se alguma fidelidade temos com o futuro, é o desejo de continuidade daquilo que amamos. Potâmio, caso fosse interrogado sobre o que desejaria para os dias de hoje, catorze séculos depois daquele em que viveu, diria que esperava que o reino visigodo continuasse vivo e próspero. Não quereria, por certo, ser despojado da sua identidade. Isto é um aviso para o futuro. Se, daqui a catorze séculos, existir neste sítio uma outra identidade política, eu — anónimo narrador desprovido de narrativa — quero continuar a ser português e não ser tido por uma outra coisa qualquer cuja natureza desconheço. Preservemo-nos do futuro.
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