Os dias não estão muito saudáveis. Não, não me refiro à volubilidade de S. Pedro, mas ao conjunto de ideias absurdas que parecem ter invadido o mundo e que se aninham com surpreendente facilidade nas mentes humanas. Quanto mais absurdas são essas ideias, maiores são as legiões de adeptos que arrastam. É muito provável que Tertuliano nunca tenha dito ou escrito “creio porque é absurdo”; contudo, a máxima ilustra bem o mecanismo de formação de crenças na espécie a que pertenço. O problema dessas crenças não é existirem, mas o facto de elas moverem os homens, gerando ondas de fanatismo que se impõem — não sem violência — aos outros. Talvez o problema não seja tão antigo como se poderá pensar: Jan Assmann coloca-o em Moisés, naquilo a que chama a distinção mosaica. Moisés, ao propor a existência de um único Deus, o Deus verdadeiro, inaugurou uma nova maneira de pensar. Até aí, cada povo tinha os seus deuses e prestava-lhes culto conforme entendia. É a associação entre divindade única e verdade que abre o caminho não apenas para a imposição de uma crença — verdadeira, justificar-se-á — e a perseguição daqueles que não partilham dessa opinião. A partir do momento que uma crença se proclama como a única verdadeira, ela vai contaminar todas as outras, que passam a querer ser únicas e verdadeiras. Ora, uma das paixões mais funestas é a paixão pela verdade: as pessoas dispõem-se a morrer por ela, mas, acima de tudo, a matar em seu nome. E qualquer coisa absurda pode ser tomada por verdade. É esta proliferação de apaixonados pela verdade que tornam os dias de hoje pouco saudáveis.
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