O corpo é um cruel juiz. Estava a reler textos escritos há muito e adormeci. Sobre eles, ficou um julgamento que não devo ignorar. Poderia argumentar que a condenação deve recair sobre o julgador, segundo a máxima popular: o bom julgador a si se julga. Isso, porém, seria tergiversar e cair numa fantasia infantil. O melhor será esquecer aqueles textos. Apagá-los. Outrora, os textos rasgavam-se ou queimavam-se, caso os autores fossem espíritos mais fogosos. Hoje, em aparência, tudo é mais higiénico. Não há papel ou cinza para limpar. Coisas que deveriam ser limpas são expressões como : uma brilhante auto-análise de um dos maiores pensadores do século XX. Nem me refiro à adjectivação da auto-análise. Com facilidade se atribuem epítetos e se proclamam grandezas. A pergunta, porém, que o leitor deve fazer é a seguinte: O tempo estará de acordo com essa classificação? Cronos é um juiz mais cruel do que o meu corpo. Aquilo a que uma época atribui a coroa de louros, o tempo, na sua desfaçatez, pode levar para a caverna escura do esquecimento. O mais sensato seria deixar a adjectivação de lado. Contudo, adjectivar é bem mais fácil do que descrever. Quando se diz que é um dos maiores pensadores, não se está a dizer rigorosamente nada. Alguém, vindo de outro planeta, poderia perguntar: Era dos mais altos? Quanto media? A resposta seria decepcionante. Se, porém, se desse uma explicação breve sobre o que pensou, isso seria mais adequado, embora tivesse o defeito de não tratar o leitor como um idiota.
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