quinta-feira, 31 de agosto de 2023

Requiem

Está nas últimas, este Agosto, mas mesmo nas vascas da morte há-de prolongar o seu espírito pérfido até bem dentro de Outubro, baforando calores e, como um dragão desatinado, lançando sobre a terra o fogo aceso com o fósforo dos infernos. Perante mim, repousam dois romances portugueses, um do ano de 1955 e outro de 1964. Em comum têm as folhas por cortar, o que me vai obrigar a um prolongado exercício, pois em conjunto somam quase 900 páginas. Um, o de 1964, ainda contém uma assinatura ilegível e a indicação de Lisboa /Dezembro /1967, assim como se fosse a estrofe de um poema experimental, onde nem faltou o aspecto gráfico de um traço sob o ano. O outro não tem vestígios do seu passado. O autor escreveu algumas obras catalogadas por ele, presumo, como sátiras sociais. Também escreveu um estudo patológico, imagino que seja um romance naturalista, onde ficcionará um qualquer carácter mórbido, neste caso de uma mulher, pois a obra tem nome de mulher. Consta que tinha inclinações políticas doentias, não muito diferentes das do grande Knut Hamsun, mas, por certo, faltar-lhe-á o génio deste. Não se pode ter tudo, apesar de ter um título, daqueles que Almeida Garrett dizia: Foge, cão, que te fazem barão. Ao que o pobre animal respondia: Para onde, se me fazem Visconde? Não quer este narrador fazer espúrias comparações, pois é distante o talento de um e outro, mas está ele, o narrador, quase como Vitorino Nemésio no programa televisivo Se bem me lembro. Começava a falar em alhos e acabava em bugalhos, num exercício estilístico onde imperava a corrente de consciência, coisa que parece ter tido a sua origem literária no Hamsun, já aqui aludido, e teve em Joyce um dos grandes cultores. Eu também me entrego à corrente de consciência, não porque queira ficcionar o que se passa na minha mente, mas porque tenho uma percepção deslassada do mundo. Não se pense que uma coisa deslassada não tem importância. Ainda ontem, por aqui, um bolo deslassou, o que foi acolhido com grande consternação e não menos pesar. Descobriu-se, depois, que houvera uma troca de um dos produtos, efeito de uma confusão no momento da compra. Aventou-se que seria uma estratégia comercial para escoar certas mercadorias, mas concluiu-se, de modo prosaico, que fora apenas a falta de óculos. Este é o meu requiem pelo mês de Agosto.

quarta-feira, 30 de agosto de 2023

A morgada e o castelhano

A sonoridade do castelhano é muito desagradável, comentei. Na esplanada, um casal espanhol conversava. A certa altura dei por mim a escutar não o que diziam, mas a música utilizada para dizerem o que diziam. Ela era, apesar da idade, uma mulher muito elegante, o mesmo, quanto à elegância, não se podia dizer dele. Pensei que ela devia usar outra língua, o italiano, talvez o francês. Ficar-lhe-ia tão bem quanto aquilo que levava vestido. Ele podia – melhor, devia – continuar a usar a algaraviada dos nossos vizinhos, que, por vezes, parece uma selecção de grunhidos emitidos por alguém indisposto. Estou a ser injusto. É possível que o português, aquele que usamos na Europa, também não seja muito agradável para ouvidos alheios, embora a variante do Brasil, com a sua musicalidade, diz-se que perto daquela que era usada por cá no tempo de Camões, possa aproximar-se do agrado que italiano e francês proporcionam ao ouvido incauto. Não era disto que queria escrever, mas da morgada de Romariz, que conheci há pouco. Antes de se perguntar quem era a morgada, mais vale saber como era ela. Era uma senhora de espavento, avermelhada, com as frescuras untuosas e joviais dos quarenta anos sadios, seios altos e aflantes, pulsos roliços e averdugados pela compressão das pulseiras cravejadas de esmeraldas e rubis. Podemos assim imaginá-la, talvez com uma certa inclinação lúbrica, na sua frescura untuosa, na jovialidade que lhe cabia aos quarenta anos, mas quem era ela? A mulher do comendador Francisco José Alvarães e, mais que qualquer outra coisa, personagem criada por Camilo Castelo Branco. Imaginemo-la no teatro, ao lado do marido, assistindo à representação de Santo António, o taumaturgo. O que podemos ver? Ora, a morgada de Romariz, lagrimando com inteligência na prosa da oratória, assim que algum personagem pegava de rimar, ria-se. Persuadira-se de que a missão dos versos era como a das cócegas. E talvez a morgada tivesse razão. Era uma morgada a que não faltava filosofia, mas essa é uma história que não me cabe contar. Imagino que, apesar dos seios altos e aflantes, não seria injusto que falasse castelhano, ao contrário da castelhana da esplanada. Este mundo é pouco inclinado à perfeição.

terça-feira, 29 de agosto de 2023

O melhor do mundo

Nova viagem de ida e volta ao sítio de há uma semana. Contudo, a distância foi significativamente menor, apenas oito graus Celsius. Para lá do me levou ao lugar onde passo o ano quase inteiro, tive a oportunidade de almoçar com o meu neto. A princípio o diálogo foi evasivo, mas a partir do momento em que entrou em cena uma pistola, tudo mudou de figura. Não se pense, todavia, que é uma daquelas pistolas que eu tive em criança para imitar os filmes de cowboys, as que tinham rolos de fulminantes e eram usadas em épicas perseguições e combates de bons e maus, de índios e os ditos vaqueiros do Arizona ou do Texas, ou sei eu lá de onde. A tia que lhe ofereceu a arma jamais pensaria numa coisa dessas. É uma pistola transparente com um mecanismo interno que rodopia, ao ser accionado pelo gatilho, e produz vento, acendendo ao mesmo tempo uma luz. A finalidade não é participar numa batalha decisiva entre o bem e o mal, mas mergulhar a ponta numa espécie de godé com um líquido que, depois de empurrado pelo vento produzido pelo tiro, se transforma em inúmeras bolas de sabão. Seja como for, serviu para fazermos experiências, calcular a pressão a exercer pelo dedo de modo a regular o tamanho das quimeras que, depois de voltear por uns instantes, logo se desfazem. Constatei, mais uma vez, que Grande é a poesia, a bondade e as danças… / Mas o melhor do mundo são as crianças. Tenho de comprar uma para mim, para me entreter nas horas vagas, e, caso haja à venda, outra com fulminantes, para lhe oferecer.

segunda-feira, 28 de agosto de 2023

Pecado de Onan

Fim de festa, por aqui. Pouca gente nas praias, pouca gente nas esplanadas, pouco trânsito. Tem sido um bom ano de praia. Ainda não pus os pés na areia, mas tenho sérias e fundadas dúvidas que consiga levar a proeza até ao fim, e este ainda vem relativamente longe. Um poema de Fernando Guimarães tem por título o nome de uma poetisa, Anna Akhmatova. Penso que os poemas não deveriam ter título, mas suspeito estar enganado. Os títulos estão para os poemas como os nomes para as pessoas, alguém, na minha mente, argumenta. O problema será esse, respondo também dentro da minha mente. É um diálogo mental. Problema? Sim, pois ninguém é o seu nome. Um nome, continuo, é uma etiqueta e, mais do que isso, uma forma de obstar a que cada um se confronte com a questão quem sou eu? O nome oblitera a indagação, pois apresenta uma solução juridicamente suportada. Não rasura apenas essa questão, mas também a que viria a seguir, o que sou eu? Ora, se um nome tem este efeito de obscurecimento para uma pessoa, também um título oculta, nessa enunciação breve, o mundo que se apresenta no poema. Depois, ainda na minha mente, eu digo que talvez não existam poetas e poetisas, nem poemas, nem títulos, a não ser em mim, uma das muitas ilusões que o génio maligno encontrado por Descartes lá põe para eu imaginar que existe um mundo onde há praias com areia, esplanadas, poemas e outras coisas insensatas que estou sempre a imaginar que existem. Pergunto-me, por vezes, sobre as razões que levaram esse génio maligno todo-poderoso a criar só a mim, isto é, só a minha mente, que ele se entretém, eternidade atrás de eternidade, a enganar, criando nela quimeras. O mais terrível pensamento que me ocorre é que o génio maligno sou eu, isto é, a minha mente que se autocriou para derrotar o nada e se entreter a si mesma num onanismo cognitivo produtor de fantasias. Estas são causa, como se sabe, de não poucos exercícios onanistas, caso estes existam, coisa pouco provável, pois exigem um corpo, daqueles corpos que andam pelas areias da praia, mergulham nos oceanos e, o pior de tudo, falam. As mentes – e há só uma – não se podem entregar ao pecado de Onan, embora não exista consenso sobre o que foi realmente compreendido como pecado no comportamento do neto de Jacob.

domingo, 27 de agosto de 2023

Um simulacro

Leio um poema de Rainer Maria Rilke. Corrijo, leio uma tradução de um poema de Rainer Maria Rilke. Desconfio de algumas palavras usadas pela tradutora. Procuro o original e encontro-o online. O alemão é-me incompreensível, mas recorro a traduções automáticas e confirmo que há palavras acrescentadas. Servem para compor a rima e, o pior de tudo, dar uma pretensa tonalidade poética à linguagem da tradução. É esta tentativa de simular uma poeticidade que constitui o núcleo central da traição que existe em toda a tradução de poesia. Poder-se-á pensar que só poetas deveriam traduzir poetas, mas mesmo isso é incapaz de assegurar a transposição de um poema de uma língua para outra. Um poema é um acontecimento irrepetível, um caso em que um certo som se combina com um certo sentido. Enquanto num texto em prosa é possível que a sonoridade não seja essencial, num poema ela é uma condição necessária. Ler um poema só é possível na língua original. Quando se lê uma tradução – e faço-o com frequência, pois são poucas as línguas em que posso ler o original – já se lê outra coisa, eventualmente, um poema, mas já não o mesmo, mas um sucedâneo ou, melhor, um simulacro do original.

sábado, 26 de agosto de 2023

Versatilidade

Acabo de bocejar, isto é, abri a boca com sono. Podia ser um sinal de aborrecimento, mas nada nem ninguém nesta hora me aborrece. O facto de não estar a fazer nada poderia aborrecer-me, mas não é o caso. Por outro lado, estando sentado à secretária sem vivalma por perto, também não posso imputar a outrem um aborrecimento. Resta-me o sono. Há razões para crer nessa solução. Um almoço tardio e generoso, um consumo no limite da moderação de um tinto, uma pequena sombra de calor, tudo isto torna verosímil o facto de ter aberto a boca involuntariamente com sono. O mais sensato seria dormir em vez de estar a escrever isto. Contudo, tenho de o confessar, estar a escrever tem, neste caso, uma função instrumental. Faz parte da luta contra a preguiça e a sonolência que, mancomunadas, me invadem o corpo. Parte desse combate está também na leitura de Chesterton. Diz ele que Carlyle terá afirmado que os homens eram maioritariamente idiotas. Isso faria parte de uma argumentação a favor da aristocracia. Contudo, o criador das aventuras do Padre Brown discorda. Na sua perspectiva, derivada do Cristianismo, todos os homens são idiotas. Parece-me uma correcção razoável e, tanto quanto se refere a este narrador, plenamente corroborada pelos factos, pelos actos, pelos escritos e pelos ditos. Não esquecer as omissões, pois também se peca por estas. Uma coisa que me espanta – para ser franco, que me assunta – é a minha versatilidade. Começo o texto pela fisiologia do bocejo e arriscava-me a acabá-lo numa meditação teológica, não fora terem-se intrometido considerações de ordem psicológica. Tudo matérias que, versatilmente, ignoro.

sexta-feira, 25 de agosto de 2023

Meditações linguísticas

O Word tornou-se um processador de texto com ambições de grande educador dos desqualificados que utilizam a língua nacional. Não se contenta já com sublinhar a vermelho – ou será a encarnado? – os erros ortográficos, nem o descansa o tracejar a azul as frases onde desconfia uma infidelidade gramatical. Está, agora, na fase professoral de chamar à atenção dos indígenas para o uso de chavões e plebeísmos. Parece incompatibilizado com a linguagem ao gosto popular. Perante plebeísmos e frases feitas, põe-lhes por baixo uma espécie de pesponto – seja lá isso o que for – também a azul, como quem usa um sarcasmo perante uma inabilidade social. Este amor à correcção, todavia, é um inimigo encarniçado da língua, pois mata a possibilidade de evolução, que se faz, sob a designação da lei do menor esforço, por sucessivas infidelidades e traições. Não vou aqui discutir se o uso de infidelidades e traições é uma redundância, embora o Word também se agaste com ela, a pobre redundância. Aliás, este é um lugar onde a discussão foi banida, pois as opiniões expressas são tidas como dogmas inabaláveis, mesmo que no dia seguinte ou até na frase seguinte se diga o contrário ou, para ser logicamente mais rigoroso, se formule uma proposição contraditória. Note-se, contudo, que a palavra dogma é muito mais complexa do que se pensa. Aparentemente, um dogma é uma opinião imposta pela autoridade e aceite sem exame crítico, mas isso é uma aparência. Na origem da palavra dogma está o vocábulo grego dógma, que significa decisão, decreto. Como qualquer um sabe, toda a decisão pode ser anulada e todo o decreto, revogado. Na origem de qualquer dogma está a possibilidade da sua anulação e revogação. Se ele se mantém é porque resistiu às tentativas críticas de o pôr de lado, às tentativas de falsificação, para usar um chavão popperiano. O mais sensato é parar o escrito por aqui, antes que seja pronunciado por heresia lexical.

quinta-feira, 24 de agosto de 2023

A tragédia da escolha

Decidi-me pela leitura de Mistérios, de Knut Hamsun. O escritor norueguês é um caso curioso. A sua biografia tem aspectos, no campo político, nada recomendáveis, pelos quais pagou, embora um preço muito mais baixo do que o pago pelo escritor francês Robert Brasillach. Do ponto de vista literário é um dos precursores – senão mesmo dos cultores – do modernismo, ao mesmo tempo que, enquanto pessoa, era um anti-moderno, embora afirmando, de forma hiperbólica, uma das características da modernidade, o individualismo. É possível que seja desta amálgama ideológica que nasça o poder de atracção que têm as suas narrativas. Pode-se pensar que escolher entre duas obras qual ler em primeiro lugar é uma aventura irrelevante. Sê-lo-á apenas na aparência. Nunca se tem em contra nem o drama da deliberação, com o seu pesar dos prós e contras, nem a tragédia da decisão, que implica sempre eliminar todas as alternativas menos uma. Em toda a escolha há um elemento trágico, uma negatividade que se consuma. E tudo isso traz consigo um enorme cansaço e uma indisposição para partilhar os pensamentos íntimos e as feridas a sangrar no recôndito da alma, caso este tenha veias e artérias.

quarta-feira, 23 de agosto de 2023

Despovoamento

Até aqui, onde o Inverno começa a 1 de Agosto, está calor. Exultam os viciados em areia, raios solares e água do mar. Caem em bando pelas praias em vez de procurarem uma clínica para tratamento da adicção. Fui a uma esplanada, apenas com o nobre intuito de classificar o pastel de nata que por lá se vende, mas não me demorei, pois, mesmo sob uma sombra protectora, estava calor. O pastel de nata era bom, mas não me parece, contra outras opiniões, que mereça estar no top five ou top ten dos pastéis de nata. Contudo, não sou especialista no assunto. Recebo um email e penso que a paisagem se está a despovoar. Sou informado que morreu alguém que conheço há décadas. Não era pessoa com quem tivesse grande proximidade, mas tínhamos uma relação cordial de conhecidos de há muito. A última vez que falámos foi num serviço de lavagem de automóveis, quando esperávamos que os nossos carros ficassem com um aspecto civilizado. Não tornaremos a falar. É isso que a morte tem de tenebroso. Impede as pessoas de continuarem a falar ou de se ver. Introduz o martelo da certeza num ambiente feito de acasos e incertezas, esmagando todas as possibilidades que poderiam existir. Numa estante ao lado da secretária, está Mistérios, um romance do norueguês Knut Hamsun, a única obra traduzida do autor que ainda não li. O livro tem a capa e a contracapa pretas, mas a lombada é azul. Foi isso que me perturbou. Uma lombada azul num livro de capas pretas. Ao considerar aquele azul, designei-o como azul-cobalto. Fiz uma pesquisa para avaliar a minha designação e descubro, consternado, que são legião os azuis designados desse modo. Entre tantos, também se encontrava o da lombada, o que me pacificou. Enquanto não acabo a leitura do primeiro volume de Crónica dos Sentimentos, de Alexander Kluge, tenho de decidir se o próximo livro a ler será o de Hamsun ou o de Gyula Krúdy, As aventuras de Sindbad. Antes disso, porém, terei de almoçar.

terça-feira, 22 de agosto de 2023

Tal como eu

Hoje já fiz uma viagem de ida e volta de doze graus Celsius, mais doze para lá, menos doze para cá. Mesmo cá, porém, há graus a mais. Isto impede-me de caminhar, de fazer quilómetros e pontos cardio, coisa que o meu coração, suponho, agradeceria, embora eu só vejo a minha cara, e quem vê caras não vê corações, segundo a sabedoria popular. Resta-me beber água, para me hidratar. Até comprei uma garrafa daquelas que os bebedores inveterados de água usam. Como tenho sempre uma certa inclinação para o cepticismo, não sei se quem transporta esse tipo de garrafas, em vez de água, tem lá xarope de limão ou groselha, talvez aguardente. Por exemplo, as garrafas que têm pretensão a serem garrafas-termo podem conter um belo Alvarinho fresco e a pessoa vai-se hidratando sem descurar o prazer. Este é o problema da hidratação. A água é, lamentavelmente, incolor, inodora e insípida, ao contrário do Alvarinho, que tem cor, odor e sabor. No términus da viagem, decidi ir almoçar a um lugar na moda por aqui. Não bebi um Alvarinho, mas um rosé da Bairrada, que fez muito bem o seu papel. Não apenas tinha odor e sabor, mas uma cor belíssima, discreta. O sítio tem uma garrafeira, ao lado do restaurante, de boa qualidade. Tinha à venda umas garrafas de vinho clarete, coisa que, depois de décadas de abandono, parece estar em recuperação. Custavam 41 euros e eu pensei que tinham endoidecido. Dei uma volta pelo mercado online e descobri que há garrafeiras a pedir quase 50 euros por uma dessas garrafas. Tentei perceber as razões e lá descobri que o vinho foi produzido num processo relativamente complexo e que merece ser guardado, pois promete muito com o envelhecimento. Não me deixo tentar, pois olhando para a minha experiência, o envelhecimento não me tornou melhor em nada. O mais avisado é ficar por alguma coisa que seja incolor, inodora e insípida, tal como eu.

segunda-feira, 21 de agosto de 2023

Consultório matrimonial

Descubro que as redes sociais – pelo menos aquela que, por desfastio, visito, mas imagino que as outras também – estão ao rubro por causa de um beijo público, e logo nos lábios, entre uma jogadora de futebol e um presidente da federação daquele desporto. Sobre o assunto, não tenho qualquer opinião, pois não conheço as circunstâncias, e como ensinou Ortega y Gasset, já que o caso se passa entre espanhóis, o homem é o homem e a sua circunstância, o que também se aplicará à mulher. Depois do post de ontem, onde abordo a difícil temática da dissolução do matrimónio, também posso, no de hoje, dar conselhos para o caso daquele beijo acabar em casamento. Consta – ou constou-me em tempos através de fonte bem informada – que, antigamente, quando não havia astrólogos intelectuais cheios de cursos e pós-graduções, as previsões astrológicas dos jornais, incluindo os de referência, eram entregues aos jornalistas estagiários. Faz aí os horóscopos, diziam-lhe, para acalmar a ansiedade dos caranguejos, dos touros, dos leões e, acima de todos, dos virgens. Assegura-lhes que é agora que... e acabavam a frase sempre nas reticências, o que causou engulhos em alguns candidatos, pouco dados à hermenêutica astral. Já não tenho idade para estagiário seja do que for, mas posso exercitar-me como conselheiro matrimonial, com o mesmo grau de competência que os jornalistas estagiários tinham em astrologia. Para começar, não me parece boa ideia um casamento entre uma jogadora de futebol e o presidente da respectiva federação. O motivo é kantiano. A relação hierárquica existente destrói a reciprocidade que, segundo Kant, deve existir em qualquer casamento. Daí, ele ser contra os casamentos de pessoas de classes sociais diferentes. Não por preconceito, mas por defesa da igualdade daqueles que dão esse terrível passo – o matrimónio – para poderem desfrutar do sexo do outro. Mantenho-me na linguagem de Kant, note-se. É verdade que este em matéria de casamentos tinha tanta competência quanto os tais jornalistas estagiários em astrologia, se é que neste campo pode existir qualquer competência. Provavelmente será mentira  mais um dos mitos que se criou à volta do professor Kant  mas quando, em velho, lhe perguntaram por que motivo não se tinha casado, terá respondido: quando precisava de uma mulher, não tinha dinheiro para ela; agora que tenho dinheiro, não preciso dela. Juro que me contaram isto. Munido destas informações, talvez abra aqui um consultório matrimonial, a que por certo não faltará sucesso. Tenho uma alma de empreendedor.

domingo, 20 de agosto de 2023

Exclusões e omissões

A Ípsilon e o Capa separaram-se, informaram-me. É pena, respondi, gostava dos três. Dos três? Sim, da Ípsilon, do Capa e do casal que ambos faziam. Eles é que, parece, deixaram de gostar do terceiro elemento, daquilo que os fazia um casal. Isto, porém, são suposições, acrescentei, para evitar distorções comunicacionais. Sabe-se lá as razões que os outros têm para os seus actos. Nem as nossas, quanto fará as alheias. Não sei bem a causa, mas lembrei-me de uma passagem do livro de contos Ficções, de Jorge Luís Borges, onde alguém estreita com outro alguém uma dessas amizades inglesas que começam por excluir as confidências e que muito em breve omitem o diálogo. Não sei se a citação é completamente fiel, mas presumo que sim. O que se pode discutir é se a exclusão das confidências e a omissão do diálogo são condições de possibilidade da amizade – pelo menos na modalidade inglesa – ou se são uma consequência dessa amizade. Nunca esqueci esta frase e sempre a achei uma ideia reguladora das relações humanas. Fundamentalmente, na parte que diz respeito à exclusão de confidências. Pergunto-me, agora, se esse ideal das relações humanas não poderia salvar o casamento da Ípsilon com o Capa. Talvez, especulo, por defeito de formação, se desde o início excluíssem confidências mútuas e em breve tivessem omitido o diálogo, o casamento fosse mais robusto e não tivesse naufragado. A maioria das confidências que dois seres, ligados pelo desvario de Eros, fazem entre si são inúteis, e aquelas que não são inúteis, o melhor é não as fazer. Que cada um guarde para si aquilo que tem de perturbante na vida. A omissão do diálogo, numa era em que toda a gente pretende expressar-se e comunicar, terá as suas vantagens. Não havendo diálogo – isto é, não havendo recurso ao logos a dois, ao esgrimir de razões – não se dizem coisas que depois abrem buracos no pano cru da vida comum. Eu sei que esta omissão é difícil, pois todos nós temos uma acentuada inclinação para a tagarelice, mas a troca de palavras não tem de ser um diálogo. Por outro lado, e esta é a minha tese para hoje, os seres humanos têm outros recursos para além de usar os órgãos que conduzem directamente à discussão e à dissensão. Um casamento não é um parlamento.

sábado, 19 de agosto de 2023

Sem impunidade

Não é raro, pelo contrário, durante a noite, naqueles momentos que antecedem a queda no sono, ser invadido por ideias extraordinárias, assim me parecem naqueles breves instantes, sobre coisas a escrever. São projectos que estão longe da insensatez. Depois, adormeço e, ao acordar, não consigo encontrar o menor indício desses pensamentos. Julgo que a noite passada, depois de ter fechado o livro de Alexander Kluge e apagado a luz, essas ideias claras e distintas assaltaram-me, mais uma vez, motivadas, imagino, pelo que acabara de ler. Hoje não me lembrava de nada, como é hábito. Da Cónica dos Sentimentos, de Alexander Kluge, estão publicados, em Portugal, dois volumes. Cada um deles ronda as quinhentas páginas, mas estas são de pequenas dimensões. Parecem livros de bolso, embora com um tamanho de letra decente. Por curiosidade, fui procurar a edição francesa e tive um choque. Os dois volumes publicados em França ultrapassam, cada um, as mil páginas. Procurei, depois, a edição alemã. Também a soma das páginas dos dois volumes ultrapassa as duas mil. Parece que, enquanto português, só tenho direito a uma selecção dos textos originais. Sempre posso comprar a edição francesa, é verdade. No início do segundo volume da edição portuguesa, num texto com cerca de uma página, Kluge, a certa altura, escreve: Um dos castigos de Deus é o do afundamento no terreno da realidade. Há os que perdem todas as ilusões (perda de realidade). E há os que perdem o tempo em que vivem (perda da História). Ambos os casos crescem a olhos vistos. Ora, há muito que eu descobri que tanto a realidade como a História são coisas pouco frequentáveis, ambas umas megeras do pior. Por isso, nada tenho contra cair para fora da realidade e da História. O problema, porém, é que ambas, após cada queda, voltam a entrar pela porta dentro, ainda uma pessoa está na cama envolvida por ligaduras que escondem as terríveis escoriações, pois cair para fora da realidade ou da História é sempre um grande trambolhão. Mesmo os padres do deserto, uma forma antiga de cair fora da realidade e da História, apesar da vida pura de oração e de combate feroz ao demónio, tinham marcas assinaláveis das quedas sofridas. Nunca se cai impunemente.

sexta-feira, 18 de agosto de 2023

Em ordem

Uma garrafa de água, quatro folhas A4 de cartolina preta, duas caixas de óculos, uma coluna redonda, um marcador de livros, uma revista Electra, um telemóvel, uma ficha para ligar cabos USB à rede eléctrica, um monitor, tudo isto para além de um teclado, de um tapete e o respectivo rato. Por outras palavras, a secretária está um caos. Detesto o mundo caótico, pertenço à tribo daqueles que preferem o cosmos ao caos. Consta que será devido à posição dos astros no momento do nascimento. A verdade, porém, é que não faço ideia nenhuma do momento do meu nascimento, quanto mais da posição dos astros nessa hora. Depois de um almoço de sardinhas assadas, a disposição para fazer alguma coisa que me interesse é nula. Resta-me enumerar a desarrumação e pensar que tenho por finalidade, no dia de hoje, pôr a secretária em ordem, o que me levará alguns, poucos, minutos. Ficará como uma casa de um país escandinavo, ou, pelo menos, como a ideia que tenho sobre as casas nesse mundo longínquo. Não há quem não tenha mitologias privadas. Também as possuo. Uma delas é que sou habitado por um gene nórdico. Este manifesta-se, entre outros sinais, pelo conflito com o tempo quente do Sul, um ódio persistente ao Verão, para ser mais exacto. Contudo, há coisas que desmentem essa ideia. Por exemplo, o prazer que certos produtos mediterrânicos me dão. Haverá coisa mais extraordinária do que o vinho e o azeite? Não, não há. Ora, naquelas paragens onde teria habitado, em tempos, esse meu suposto gene, não há possibilidade de fazer azeite, nem sequer vinho, pelo menos com decência. Não passo de um sulista com fantasias nórdicas, que sonha com as paisagens de certos filmes de Ingmar Bergman, como as de Os Morangos Silvestres, obra que já vi não sei quantas vezes, talvez tantas quanto Um Táxi Cor de Malva. Vou entregar-me ao suplício da arrumação.

quinta-feira, 17 de agosto de 2023

Uma questão genética

É possível que seja genético. Aliás, não há mal que não seja creditado na conta-corrente dos genes, da herança genética, para ser mais preciso. A situação não deixa de ter a sua curiosidade. A herança social, seja cultural, de status ou económica, tem sempre uma certa possibilidade de reversão. A genética, não. Isso deixa-nos uma certa tranquilidade, pois se os genes são maus, aquele que os recebeu em herança nada fez para os ter. Não somos, por enquanto, responsáveis pelos genes que temos, apenas por aqueles que transmitimos ou pelo facto de os transmitirmos. Tenho o discurso à deriva. Quando escrevi É possível que seja genético, tinha uma certa intenção. Queria sublinhar que todos nos comprazemos, por semelhança genética inerente à espécie, na partilha de certos males. É um modo de combater a solidão. Isto vinha a propósito de um assunto que, entretanto, esqueci. Queria falar sobre ele, mas imagino, agora que ele me abandonou, que não deveria ter qualquer importância, o que faz lembrar a fábula da raposa e das uvas. Esta fazia parte de um livro de leitura da escola primária. Como é possível lembrar-me disso e não daquilo que tinha, há instantes, pensado como motivo deste texto? A versão que li não foi a de Esopo, nem de La Fontaine, mas de Bocage, em verso. Também eu volto o focinho, quando cai alguma parra, pensando que era um bago, o que se desprendia da alta latada. Talvez este texto estudado tão lá atrás tenha contribuído para que um dia me tivesse interessado sobre a distinção entre a aparência e a realidade e como a raposa tenha sempre confundido a primeira com a segunda. Será, também, genético.

quarta-feira, 16 de agosto de 2023

Falta de luz

Tinha por objectivo escrever sobre o facto de não ter objectivos. O problema é que a noite está a cair e perdi a oportunidade de o fazer. Para meditar sobre a vexata quaestio de não ter objectivos é necessário que a luz do sol brilhe. Para quê? Para iluminar a meditação e evitar que me arraste por caminhos tortuosos. Leio ao acaso, num livro que hei-de começar a ler um destes dias: As voltas e reviravoltas dialécticas da Fenomenologia de Hegel constituem sem dúvida uma doutrina esotérica. Também algumas considerações que faço por aqui constituem partes de uma doutrina esotérica, mas que é de tal modo secreta que nem o seu autor, talvez por ser destituído de inclinação dialéctica, a consegue decifrar, apesar de ter sido, noutros tempos, iniciado em diversas dialécticas, entre elas a do senhor Hegel. Há quem ache, porém, que o problema do autor reside no facto de possuir uma mente confusa, uma mente a que falta clareza e distinção, como se pode ver pela proposição tinha por objectivo escrever sobre o facto de não ter objectivos. O livro onde Hegel é trazido à colação tem por título Sinceridade e Autenticidade, de Lionel Trilling, publicado em Portugal pela Imprensa da Universidade de Lisboa, uma editora com um belíssimo catálogo, apesar de relativamente exíguo. O que me levou a comprar o livro foi o índice. Este contém a designação de seis conferência dadas pelo autor em Harvard, no ano lectivo de 1969/1970. Por exemplo, a segunda conferência, ou palestra como é designada, denomina-se “A Alma Honesta e a Consciência Desintegrada”. Agora, é noite escura, altura pouco propícia a meditações luminosas, apesar da opinião contrária de S. João de Ávila.

terça-feira, 15 de agosto de 2023

Livre-arbítrio

Este é o feriado menos visível no conjunto dos dias em que a realidade quotidiana dá lugar a uma outra realidade, onde se distingue a marca da excepcionalidade. Nos dias que correm, a excepcionalidade não provém da sacralidade do dia ou do seu significado cívico, mas do facto prosaico de o tempo ser propriedade da própria pessoa. Nos outros dias, as pessoas alugam o seu a terceiros ou a si próprios, pois possuem corpo e este tem um conjunto de necessidades que exigem o mergulho no tédio da quotidianidade, com a sua procissão de horas de trabalho. Uma das grandes questões da existência é a da negociação que cada um tem de fazer para ser proprietário do seu próprio tempo, para o poder dispor segundo o seu arbítrio. Isto supõem que este, o arbítrio, seja livre. Caso não exista livre-arbítrio, então nada do que foi dito faz sentido. Tudo se inscreve numa cadeia causal e aquilo que acontece a cada um está determinado de tal modo que a sua vontade vale rigorosamente zero. Hoje, no uso do meu livre-arbítrio, fiz um número significativo de pontos cardio. Começo a fazer caminhadas, agora que o pé direito se está a libertar das consequências da intervenção a que foi sujeito. As minhas netas estão a fazer as malas e não tarda vão-se embora. A casa vai ficar mais vazia. Perante o facto, começo a desconfiar da minha crença no livre-arbítrio. Talvez exista uma incompatibilidade entre os diversos livres-arbítrios e será ela que nos dá a ilusão de que o determinismo é verdadeiro. Vale-me ser feriado. Não se perde tudo.

segunda-feira, 14 de agosto de 2023

Sem moralidade

Não sei bem a razão, talvez a fome devido ao atraso do almoço, mas na minha mente, até eu tenho uma, dançou a ideia de falar sobre a teoria do flogisto e os processos de combustão e de calcinação decorrentes da libertação dessa matéria imaterial que seria o flogisto. Apesar do esforço do Georg Ernst Stahl, um médico alemão e também químico, para fortalecer a sua teoria, pois foi ele que a criou, embora não do nada, pois ex nihilo nihil, Antoine de Lavoisier, um francês e químico, mostrou que Stahl vivia num mundo fantasioso e explicou a razão por que as coisas entram em combustão. A vida, contudo, nem sempre é justa para quem se entretém a fazer descobertas acertadas. Consta, pelo menos em certa enciclopédia geral produzida por autores anónimos e benévolos, que o matemático Joseph-Louis de Lagrange disse: Não bastará um século para produzir uma cabeça igual à que se fez cair num segundo. Ora, a cabeça que se fez cair num segundo foi a de Antoine Lavoisier, no dia 8 de Maio de 1974. Vivia-se uma época em que, por França, as cabeças rolavam em quantidade e a grande velocidade. Não consta que Stahl tenha perdido a sua, apesar do erro que ela produzira. Pelo contrário, acabou a vida – talvez na cama – como médico de Frederico I da Prússia. Esta história, apesar da aparência, não contém qualquer moral que se possa extrair para edificar os leitores. É uma descrição de factos e nos factos, por muito que se procure, só existem factos e não ideias morais. Lá dentro qualquer coisa se agita, as adolescentes fazem-se ouvir, talvez tenha chegado a hora de almoço. O que também não contém qualquer moralidade.

domingo, 13 de agosto de 2023

O amor à conspiração

Imagino que todos nós amemos conspirações. Há aqueles que fazem desse amor uma razão de vida. Em tudo vêem conspirações e por detrás destas descobrem agentes obscuros, embora possam ser nomeados, que conjugam uma inteligência diabólica e uma vontade malévola. Não vale a pena dar exemplos. Contudo estes amantes das teorias da conspiração são péssimos na arte de as amar. Um autêntico amante de conspirações, um daqueles que não apenas leu, nas versões aplicadas ao amor do conspirativo, a Arte de Amar, de Ovídio, mas também a Metafísica do Sexo, de Julius Evola, sabe que tudo é conspiração e que essa omni-conspiração se funda na conspiração das conspirações, a conspiração essencial. O modo de vida que agora se leva resulta de uma conspiração contra o modo de vida que se levava na infância. Toda a conspiração – para os amantes autênticos e letrados de conspirações – está assente no objectivo de nos destruir a infância. É evidente que nunca ninguém teve uma infância, pois quando estamos nela não temos consciência de que aquilo é a infância, e quando saímos dela já a perdemos. Então, o organismo, guiado pelo cérebro, põe-se a inventar a infância e, ao mesmo tempo, descobre a terrível conspiração contra essa infância fantasiada, conspiração que visa matar-nos a boa vida e os bons tempos em que éramos infantes. Se se reparar com atenção, todas as teorias da conspiração – tratem elas da terrível conspiração que nos quer fazer crer que os homens foram à Lua ou pretendam alcançar a dominação mundial através da disseminação da ideia de que Terra é redonda ou que houve uma pandemia do COVID-19 – são reconfigurações dessa conspiração contra a infância que cada um inventa. Por isso, estamos constantemente a dizer que eles estão a fazer isto e aquilo. O isto e aquilo não interessa o que seja, o que interessa mesmo é que o eles se refere a esses conspiradores que estão em toda a parte e cuidam não de nós, mas da destruição da nossa infância, isto é, de uma coisa que nunca tivemos.

sábado, 12 de agosto de 2023

Do sublime

Um dos capítulos, pequenos capítulos, diga-se, termina assim: Portanto, é essencial dirigir todos os olhares para essa cena terrível. A questão, porém, é se todos os olhares suportam cenas terríveis. Como se sabe, existem olhares fracos e fortes, olhares impiedosos e olhares grávidos de piedade. Será que todos eles são capazes de enfrentar cenas terríveis? A ideia de quem escreveu a frase é de que os olhares, ao depararem com o terrível da cena, ficariam horrorizados e rejeitariam a peça que ali conduz. Eis um erro de perspectiva. Haveria olhares, talvez mais do que se pensa, que ficariam fascinados pela visão, e o fascínio seria tal que nasceria na vontade de muitos o desejo de repetir, senão mesmo de multiplicar, aquela cena tida como terrível, pois neste reside também o sublime e este, por pavoroso que seja, tem poderes encantatórios sobre as almas, e não apenas sobre as mais fracas. De que estou a falar? Isso é irrelevante e não vem ao caso. O particular é apenas o exemplo de uma lei universal. Pensamentos destes, inúteis e confusos, nascem em certos sábados de Agosto, em que o almoço se prolonga mais do que é devido, onde o passar das horas tem o condão de aniquilar a censura que todos trazemos dentro do coração ou que ostentamos por decoro.