quinta-feira, 17 de agosto de 2023

Uma questão genética

É possível que seja genético. Aliás, não há mal que não seja creditado na conta-corrente dos genes, da herança genética, para ser mais preciso. A situação não deixa de ter a sua curiosidade. A herança social, seja cultural, de status ou económica, tem sempre uma certa possibilidade de reversão. A genética, não. Isso deixa-nos uma certa tranquilidade, pois se os genes são maus, aquele que os recebeu em herança nada fez para os ter. Não somos, por enquanto, responsáveis pelos genes que temos, apenas por aqueles que transmitimos ou pelo facto de os transmitirmos. Tenho o discurso à deriva. Quando escrevi É possível que seja genético, tinha uma certa intenção. Queria sublinhar que todos nos comprazemos, por semelhança genética inerente à espécie, na partilha de certos males. É um modo de combater a solidão. Isto vinha a propósito de um assunto que, entretanto, esqueci. Queria falar sobre ele, mas imagino, agora que ele me abandonou, que não deveria ter qualquer importância, o que faz lembrar a fábula da raposa e das uvas. Esta fazia parte de um livro de leitura da escola primária. Como é possível lembrar-me disso e não daquilo que tinha, há instantes, pensado como motivo deste texto? A versão que li não foi a de Esopo, nem de La Fontaine, mas de Bocage, em verso. Também eu volto o focinho, quando cai alguma parra, pensando que era um bago, o que se desprendia da alta latada. Talvez este texto estudado tão lá atrás tenha contribuído para que um dia me tivesse interessado sobre a distinção entre a aparência e a realidade e como a raposa tenha sempre confundido a primeira com a segunda. Será, também, genético.

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