sábado, 4 de maio de 2024

Honrar o Floreal

A 24 de Novembro de 1793 entra em vigor, em França, um novo calendário, cujos meses tinham um pendor ecológico, tendo as denominações por fundamento aspectos do clima e da agricultura. Havia o mês das brumas, o do vento, o da neve, o das geadas, o do calor, mas também o das vindimas, o das colheitas, o das pradarias. Estes nomes foram fabricados por um poeta, segundo consta, Fabre d'Églantine. Se o calendário tivesse vingado e as invasões napoleónicas o tivessem exportado, hoje estaríamos no Floreal, o mês das flores. Este amor ao mundo da natureza e à vida nos campos, visto a partir dos nossos dias, parece uma premonição, uma tentativa de evitar aquilo que germinava em Inglaterra e que tomou o nome de Revolução Industrial. Esta, ao contrário da Revolução Francesa, não se predispôs a reformar o calendário. Onde iria ela buscar o nome dos meses? O mês do carvão, o mês das minas, o mês do vapor, o mês das máquinas, o mês da ferrovia? Fizeram bem os ingleses em não contratarem nenhum poeta para renomear os meses do ano, nem nenhum cientista para reformular o calendário. Os franceses são mais dados a este tipo de rasura. Estamos cansados do passado. Vamos começar tudo de novo. Que se reforme o calendário. Doze meses, parece boa ideia, mas há que ser racional e consequente com os ideais da Revolução. Para respeitar a Igualdade, têm todos 30 dias e são divididos em décadas, isto é, uma espécie de semana de dez dias. Os outros 5 dias – ou seis, no caso dos anos bissextos – ficam fora dos meses e são feriados nacionais, talvez para compensar a exclusão. Chamavam-lhe os dias sans-cullottes. Cada dia era dividido em 10 partes e cada uma destas em cem outras. Isto foi para acabar com aquela conta das 24 horas, dos sessenta minutos e dos sessenta segundos. Se nos pomos a pensar, talvez esse fosse o calendário mais razoável alguma vez inventado. Tudo contas certas, com um sistema decimal a funcionar. E posso provar que, mesmo hoje, seria o mais correcto dos calendários. As orquídeas cá de casa estão quase todas em flor, ou não honrassem elas o Floreal.

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