Esta noite acabei de ler um conto – talvez fosse mais correcto classificar a obra como uma novela – onde uma das personagens centrais é uma ninfa ou um génio feminino das águas. O autor é Friedrich de La Motte-Fouqué, autor que desconhecia por completo e que um acaso depositou diante de mim a sua obra, Ondina, na tradução portuguesa. É um conto fantástico e mais um episódio daquilo a que se poderia chamar a legenda do amor no Ocidente. Não sou dado à literatura fantástica, mas talvez esteja numa fase de alteração do gosto. Nunca se sabe o que a idade traz aos seres humanos. Sobre aquilo a que chamei a legenda do amor no Ocidente, apenas posso remeter para a obra de um dos pais da Europa, Denis de Rougemont, no seu O Amor e o Ocidente. Presumo que ainda seja obra que mereça ser lida, embora a alteração do gosto tenha sido acentuada nas últimas décadas, e a influência anglo-saxónica tenha obliterado a atenção aos autores da Europa continental. Voltando à bela Ondina, ela abandona o seu mundo em busca de uma alma humana. É o máximo que posso adiantar, mas poderei acrescentar que a pretensão de Ondina será a de todos os seres humanos, quando abandonam o mundo do nada onde existiam, antes de serem concebidos, e são postos sobre a Terra. A partir daí buscam por mil caminhos encontrar e conquistar uma alma humana, a sua alma. A questão que se pode colocar é se eles a encontram ou a perdem, não por a terem, mas por não encontrarem a alma que seria a sua. O que me vale – acabo de o pensar – é não viver num tempo em que o Tribunal do Santo Ofício exercia os seus poderes nesta terra, pois estas formulações acerca da alma são heréticas. Heréticas ou não, são muito mais interessantes. Uma coisa é receber de mão-beijada uma alma na hora da concepção. Outra, bem diferente, é enfrentar o mundo, como D. Quixote, o cavaleiro da triste figura, para encontrar a sua alma. Que aventuras não há que empreender? Que ilusões não há que desfazer? Sim encontrar e conquistar a sua alma é uma prova difícil, mas todas as coisas belas são difíceis, como o escreveu um dia Platão.
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