quinta-feira, 23 de fevereiro de 2023

Apocrifia e falácias

Uma visita à pasta onde guardo estes textos recordou-me que tinha separado o conjunto de textos escritos durante os tempos mais iniciais da pandemia, entre 1 de Março e 20 de Junho de 2020, e tinha-lhe dado um título curioso: E aquilo que fatiga o lutador coroa o vencedor – diário da pandemia. Ora, este título, excluindo a indicação diário da pandemia, retirei-o de uma passagem de uma obra apócrifa de Bernardo de Claraval, também conhecido por S. Bernardo. A obra em causa ostenta o título Traité de la Maison Intérieure ou de l’édification de la Conscience. Segundo li, apesar de surgir como sendo do monge cisterciense, nada no estilo e na organização, um pouco caótica, indica que seja dele. Por que razão li, em parte, a obra, não me recordo e dela só me ficou a frase que utilizei como título do conjunto de textos dos tempos de pandemia. Se à obra não foi reconhecida autenticidade, será que cada uma das suas frases será também inautêntica? Afirmá-lo seria cair na típica falácia da divisão, que consiste em atribuir às partes uma propriedade do todo. Portanto, poderemos considerar a obra apócrifa, mas não a frase que dela extraí. Isto daria um resultado interessante, a obra não seria da autoria do monge de Cister, mas as frases que a compõem poderiam ser, o que provaria que uma obra escrita é mais do que as frases com que ela foi tecida. Ou então, nem sempre a falácia da divisão é uma falácia. Esta quinta-feira não me parece propícia para escrever. Termino por aqui.

4 comentários:

  1. Não sei, não consigo relacionar S. Bernardo, da Ordem de Cister, com o S. Bernardo que conheço, um molosso, desajeitado, a babar-se e a tentar ser Beethoven, sem nenhuma sinfonia. Só pode ser apócrifo.

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    1. Não faço ideia se o monge de Cister teria inclinação musical. Quem a tinha, de modo superlativo, era uma monja beneditina, meio século mais nova, mas naqueles dias as mudanças eram muito lentas, chamada Hildegard von Bingen. Além do talento musical tinha muitos outros, até na área da medicina. Também chegou a santa e doutora da Igreja, mas não consta que exista uma raça de cães Santa Hildegarda.

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    2. É uma sorte, uma sorte mesmo, poder deitar a mão a uma das minhas estantes de poesia - e podia ir de olhos fechados (embora não seja visionária) -, retirar Flor Brilhante, de Hildegard von Bingen.
      Aqui lhe deixo *Ó Virtude da Sapiência*, que também deve poder ouvir-se em canto gregoriano:
      Ó virtude da Sapiência,
      em anel circundaste
      envolvendo o mundo,
      na única via da vida,
      tens três asas:
      a primeira voa no alto,
      a segunda da terra esvoaça,
      a terceira por todos os lados voeja.
      Louvor a Ti, ó Sapiência, como é justo.

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    3. Não tenho a poesia, apenas a música. Vou procurar.

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