O largo do primeiro andamento da sonata número 1 para violoncelo e piano, de Alfred Schnittke, acentua a melancolia que caiu sobre a tarde desta sexta-feira. O azul do céu foi-se cobrindo de cinza, a luz entregando o júbilo da cintilação ao reino da sombra, como se tudo tivesse sido tomado por uma tristeza lutuosa, e o coração, talvez o meu, talvez outro, cerrou-se suspenso de uma inexplicável saudade. O presto do segundo andamento, apesar da velocidade, foi incapaz de fender a paisagem opaca que se desenhou e acabou por retornar, no terceiro, a um largo que, de início, parece soltar um grito de dor, mas que logo se contém, mergulhando na melancolia de quem olha para um passado irremissível, para, depois, um jogo lento entre a dor física e a tristeza moral abrir caminho pelas ruas da cidade, onde as pessoas passam como se não passassem, e alguém, que me faz lembrar o Esteves, entra num bar que me recorda uma tabacaria. Claro que é o Esteves sem metafísica. Ora, se há coisa que não se pode acusar Alfred Schnittke ou, por exemplo, Andrei Tarkovsky, o cineasta, é de lhes faltar metafísica. Talvez a alma russa seja, mais do que outras, uma alma metafísica, mas de uma metafísica que se manifesta na figura da arte e não da filosofia, uma metafísica encarnada, sensível. Tudo isto é alheio àquele que parece o Esteves e sai agora do bar que me recorda uma tabacaria. O Esteves é a alma portuguesa, a que falta metafísica, isto apesar do Antero de Quental e do Teixeira de Pascoaes. Se me perguntassem qual o instrumento musical mais claramente metafísico, responderia sem hesitar – a ignorância tem atrevimentos destes – o violoncelo. Está uma tarde metafísica, se soasse, ouvir-se-ia um violoncelo.
Sem comentários:
Enviar um comentário