Os dias crescem e as noites minguam. Depois, tudo se inverterá, os dias reduzir-se-ão e as noites haverão de se dilatar. E depois? Bem, depois sempre descobrimos que o equilíbrio na natureza é feito de desequilíbrios. Podemos pensar que o justo seria dias e noites serem sempre iguais. A natureza tem outro critério. A igualdade entre dias e noites nasce do somatório das desigualdades que existem entre ambas. No lugar da constância temos uma lei da compensação. Isto funciona nas realidades cíclicas, e durante muito tempo também os homens pensaram que a sua vida se inscrevia nessas realidades. Os ciclos festivos, com os seus rituais, ordenavam a vida desse modo, o que dava a ilusão de eternidade. O senhor Sigmund Freud, num momento inspirado, descreve a história do homem moderno a partir de três feridas narcísicas. A primeira, vem com Copérnico e a descoberta de que afinal não vivemos no centro do universo. A segunda, trazida por Darwin, coloca a nossa espécie como uma entre muitas outras. O que ela é não resulta de qualquer eleição, mas da mera evolução adaptativa ao meio. A terceira ferida é descoberta do próprio Freud. Ao sermos sobredeterminados pelo inconsciente nem sequer somos senhores de nós próprios. Por interessantes e dramáticas que sejam esta feridas, a única ferida real, a chaga verdadeiramente viva que nos atormenta, é a descoberta de que não somos seres cíclicos, mas entidades lineares que percorrem uma linha recta, por sinuosa que pareça, entre o nascimento e a morte. O que nos cabe não é a eternidade, mas o tempo, e um tempo sempre demasiado curto. A tomada de consciência plena do que é ter uma natureza histórica, um processo tardio na nossa espécie, é uma ferida de tal dimensão que ao pé dela as feridas provocadas pelas descobertas de Copérnico, Darwin e de Freud parecem fantasias de crianças. Para a ferida de se ser temporal não há constância no devir nem lei da compensação que a cure. E é assim, com estas meditações sem nexo, que entro naquela parte do ciclo semanal que tem por centro os benévolos dias da sagrada inutilidade.
Só a poesia consegue subverter as três primeiras feridas. Ela é a quarta ferida. A incurável.
ResponderEliminarExactamente.
EliminarSanta Hildegarda podia ser um Galgo-afegão, heterodoxo, fêmea, idade média.
EliminarNão sei, a minha cultura canina é ainda mais diminuta, muito mais, do que sobre outras coisas, das quais também pouco ou nada sei.
EliminarNão sei se os galgos afegãos ladram, há raças pouco ou nada reivindicativas, educadas para ver e ouvir e calar, como os cães ancestrais chineses, do séc.II, os cães dos palácios imperiais, empoleirados em jarrões muito antigos (como aquele que o príncipe de O Idiota, derrubou e partiu), e que era o único que não podia derrubar nem partir.
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