Há poucas coisas em que este narrador esteja de acordo com o autor que o criou e lhe faz escrever o que escreve, para perdição sua, por certo. Uma delas, talvez aquela onde há mais fervorosa concordância, é um desprezo visceral pelo acordo ortográfico parido em 1990. Hoje, no Público, José Pacheco Pereira torna a pôr em relevo o desprezível que é o linguajar nascido com essa infeliz entente. Num cartaz partidário, daqueles que enxameiam as campanhas eleitorais e cuja finalidade ainda ninguém conseguiu perceber, está escrito, em letras garrafais para se notar melhor, MAIS AÇÃO. Ora, e muito bem, pergunta o autor do artigo o que está ali a fazer a São, pois é já assim que muita gente lê ação. Também não faltam pessoas que lêem recessão quando está grafado receção. Sem querer, nem sempre o querer é poder, meter-me em política, esta história do acordo ortográfico – mais valia escrever o acordo cacográfico – é típica da política portuguesa. Esta tem, independentemente dos protagonistas, dois objectivos centrais. Acabar com tudo o que funciona bem e prolongar indefinidamente qualquer disparate. Como se vê, o autor tem algumas razões para proibir este narrador de se meter em política. Mal tem uma oportunidade, cai logo em generalizações precipitadas e entrega-se à hipérbole, como se uma hipérbole fosse a descrição exacta do mundo. Todo a gente sabe, depois de ler em Descartes o papel hiperbólico da dúvida metódica, que a hipérbole não é um tropo para levar a sério. Se somos tentados em extasiarmo-nos perante uma metáfora, uma metonímia, até mesmo diante de uma anáfora, só nos pode dar vontade de rir, ou chorar, se surge diante dos olhos uma hipérbole, e o acordo cacográfico de 90 não passa de uma hipérbole da insensatez ou, para ser mais preciso, da estupidez com que se tomam muitas decisões.
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