Sem uma aventura para adicionar à gesta gloriosa em que transformei o meu quotidiano, resta-me narrar uma desventura. Dirigi-me a uma farmácia, longe de casa, para comprar um certo medicamento. Receita electrónica no bolso, isto é, no telemóvel, passada em meados de Dezembro. Das seis unidades receitadas, tinha adquirido apenas duas. Restavam-me quatro. Quando mostro a prescrição, recebo a informação de que todas as unidades tinham sido dispensadas, não me restava nenhuma. Fiquei perplexo, quero dizer, fiquei com cara de parvo, sem saber o que dizer, perante alguém que nunca me vira. Só comprei duas embalagens, aliás, nem vendem mais, disse, como se apresentasse um argumento decisivo para que me vendessem o medicamento. A funcionária – talvez fosse a dona da farmácia, sabe-se lá com quem se fala numa farmácia desconhecida – para me consolar, disse não se preocupe, pois eu também não tenho essa versão do medicamento. Respirei fundo. Estar ali o medicamento e não o poder levar era muito pior do que não haver medicamento. Chegado a casa, fui investigar a aplicação e lá percebi que na farmácia que frequento devem ter cometido um erro. Venderam-me duas embalagens e consideraram que me tinham dispensado as seis. O meu problema com esta desventura não é a falta do medicamento, mas não saber em que página da minha epopeia ela cabe. Um herói que se preze não tem apenas vitórias. As derrotas, desde que não contumazes, testam a sua resiliência, a sua capacidade de ultrapassar os momentos amargos. Um momento amaríssimo é aquele em que se utiliza a palavra resiliência e eu acabei de o fazer.
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