quinta-feira, 25 de julho de 2024

Traduções

A Áustria foi, no final do século XIX e no início do XX, um vespeiro de grandes escritores. Eis uma metáfora de péssimo gosto, como se os grandes escritores austríacos fossem vespas ou pessoas traiçoeiras e de má índole. Imagino, todavia, que um grande escritor austríaco posterior, Thomas Bernhard, não desdenharia da metáfora, aplicada não aos grandes escritores, mas aos austríacos em geral. Bernhard sofria dos pulmões, chegou a viver em Portugal por causa disso, mas sofria ainda mais pela a natureza da sociedade austríaca, que ele via composta por nazis dissimulados pelo catolicismo e a social-democracia. Não era de Bernhard que queria falar, mas de um poeta, um grande poeta que morreu jovem, aos 27 anos, de overdose de cocaína. Georg Trakl. Há uma tradução de poemas seus, mas que desconhecia até há pouco. Hoje, mergulhado na ociosidade, decidi fazer experiências e, usando o DeepL, o ChatGPT e um dicionário alemão-português, traduzir alguns poemas, entre eles o ciclo de A Jovem Criada (Die junge Magd). A experiência não me desagradou e, confirmei, o decisivo não é a tecnologia usada, mas a experiência pessoal, no caso a experiência de leitor de poesia, de quem a usa. Nos poemas assim lidos, consegui aproximar-me – tenho essa ilusão – da atmosfera poética que se desprende da obra de Trakl, talvez mais do que se os lesse na tradução portuguesa publicada. A razão é simples. Fui obrigado a reconstruir as traduções, sempre diferentes, que o tradutor automático e o chatbot ofereciam. Quando se está perante um texto traduzido por um ser humano e publicado em livro há uma tentação de conformismo perante o que está apresentado, o que gera uma leitura passiva, ao contrário daquela que me senti obrigado a fazer. Um dia, os dispositivos de tradução substituirão com vantagem o tradutor humano, porque terão mais capacidade, e mais velocidade, para apreender o espírito de uma obra do que um ser humano, mesmo especialista, e vertê-lo, ao espírito da obra, para outro idioma. Esse dia, imagino, ainda estará longe, mas a cada dia que passa estou menos certo dessa lonjura.

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