Consta que uma das teorias físicas mais desconcertantes é a mecânica quântica. Numa daquelas leituras inúteis a que, por vezes, me dedico sem que consiga perceber a razão, descobri que o princípio de incerteza de Heisenberg corrobora uma das intuições que guiam o senso comum. O passado está perfeitamente definido, enquanto o futuro é imprevisível. As relações de incerteza dizem-nos que não podemos saber ao mesmo tempo a posição de uma partícula subatómica e a quantidade do movimento, o que terá por consequência não podermos determinar a sua situação no futuro. Contudo, parece ser possível a partir de medidas relativas de um electrão, por exemplo, determinar a sua quantidade de movimento e a sua posição no passado. Isto contraria a pretensão do Marquês de Laplace, matemático e físico que viveu nos séculos XVIII e XIX. Este tinha uma visão determinista do universo e considerava o presente como a consequência do passado e como causa do futuro. Laplace imaginou que se um intelecto, suficientemente poderoso, tivesse conhecimento, a dada altura, de todas as forças que movem a natureza, teria a capacidade de incluir o movimento de todos os elementos que compõem a realidade numa única fórmula e, para ele, nada seria incerto, nem o passado, nem o futuro. Talvez não tenha sido um acaso ter sido dado a esta experiência mental o nome de Demónio de Laplace. Que coisa mais demoníaca poderia haver do que conhecer o futuro? Ora, Werner Heisenberg e Niels Bohr com a sua física insensata, digamos assim, vieram devolver a esperança aos homens. O futuro é imprevisível. Isto coloca um grave problema teológico. Se o futuro é imprevisível, então Deus não pode ser omnisciente, não tem conhecimento do futuro. Problema de fácil solução, e essa não necessita de passar pela negação da existência de Deus. Basta considerar que Deus vive na eternidade, num eterno presente. Logo, para ele, tudo existe como se estivesse no passado. Sendo assim, ele pode saber a quantidade de movimento e a posição de qualquer partícula do universo. É evidente que isto levanta novos problemas. Se Deus pode saber tudo, então tudo está determinado e com isso volta o demónio de Laplace. Não, propriamente. O demónio de Laplace, tal como os homens, move-se no tempo, enquanto Deus está fora dele. Claro, há razões para que o texto de hoje tenha saído este. Uma noite mal dormida. Posso imaginar mesmo um episódio febril, embora seja falso. Se estivesse na posse mínima das minhas faculdades não teria escrito o que escrevi, mas a vida é o que é. Com ou sem demónio de Laplace.
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