Está sol. Vejo-o através dos vidros da janela. Sou um isolado a tempo inteiro. Há alturas em que ando de máscara em casa, desinfecto as mãos antes de tocar em coisas que podem ser tocadas por outros. Ainda não recebi o resultado do teste PCR. Pode vir hoje ou, disseram-me, mesmo no domingo. E se der negativo? Não conheço nenhum caso em que um teste de antigénio feito em casa dê positivo e que o PCR o desminta, e eu não fiz um teste caseiro, fiz dois. O mais curioso de tudo isto é que escrevo antigénio e PCR com a maior das naturalidades, como se fossem coisas por mim conhecidas ainda antes de nascer, com o eram as Ideias ou Formas, segundo Platão. Ora, não faço a mínima ideia do que seja o antigénio ou PCR. Há muitas décadas, havia, numa certa escola que frequentei, um professor conhecido pelos os alunos como o Biótico. Os próprios alunos autodesignavam-se como antibióticos. Talvez o antigénio seja uma pilhéria de alguém contra os génios. Estas coisas nunca se sabem. Já o PCR faz-me lembrar a sigla de um partido político, o que se coaduna com a época de eleições em que estamos mergulhados. Vais votar em quem? No PCR, e tu? Seja como for, entre antigénios e PCR, tenho de estar confinado. As principais ocupações, até agora, são tomar paracetamol e beber água. Embora não esteja prescrito, o vinho não está proscrito, penso eu. Outra ocupação é escrever patetices, mas isso não vem de agora, nem tem por causa os testes positivos à COVID. É anterior. Tem-me animado não ter perdido o paladar. Sendo assim, posso meditar que tinto vou abrir para o almoço, que há-de chegar tarde, por circunstâncias exteriores ao actual estado de coisas. Mais logo, espero ver um novo filme de Eric Rohmer. Ontem vi dois, O Signo do Leão e Pauline na Praia. Não há nada como isolamentos e confinamento para alargar a cultura cinematográfica.
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