sábado, 15 de janeiro de 2022

Política-gramática

O sábado sumiu-se. Rio-me da aliteração. Na prosa, dizem, deve-se evitar a aliteração, ao contrário da poesia. A verdade, porém, é que gostamos muito de regras. Umas ordenam, outras proíbem. Bem, dir-me-ão, isso não são regras, mas imperativos. As regras apenas aconselham. Concedamos que assim seja. Isto significa, contudo, que trazemos atrás de nós ou dentro da nossa consciência, o que vai dar ao mesmo, um conselho consultivo, cuja finalidade é alvitrar as regras a usar em cada instante. Hoje, devido a um desígnio imperscrutável, fui almoçar à Nazaré, praia a onde muito raramente vou. Julgo que desde a última vez que lá fui passaram vinte anos. No Sítio, antes de poder olhar para o vasto oceano deparei-me com uns carros de onde saíam pessoas com bandeiras. Eram de um partido que o líder de um outro classificou há dias como interjeição. Havia no cortejo qualquer coisa de melancólico, uma tristeza que só encontro nos circos pobres, com os seus artistas fanados e à beira do colapso. Seja como for, talvez seja uma boa introdução à política utilizar a gramática como fonte de classificação. Teríamos os partidos-interjeição, os partidos-adjectivo, os partidos-artigo definido ou indefinido, os partidos-substantivo, os partidos-conjunção, os partidos-advérbio, os partidos-verbo. Neste caso, uns seriam partidos-verbo de encher e outros partidos-verbo de despejar. Toda a política seria uma política-morfológica e, quando se tratasse de alianças e oposições entraríamos na política-sintaxe. Seja como for, não estou autorizado pelo autor a emitir opiniões políticas. Um narrador, ouço-lhe constantemente, não tem opinião política, embora nunca me tenha falado da política-gramática. No restaurante, encontrei um casal conhecido com a família, onde pontuava uma bebé de dois meses. Eles recém-promovidos à categoria de avós pareciam pairar sobre os mortais. Compreendo-os muito bem. Não há na hierarquia familiar estatuto como esse, nem aliteração ou assonância que o ensombre, ao estatuto.

Sem comentários:

Enviar um comentário