Encontro sempre as mais mirabolantes justificações – ou desculpas – para gastar dinheiro em livros. No domingo, encomendei uma obra na FNAC online e hoje fui levantá-la à fnacquezinha que temos nesta pequena cidade. Trata-se da Fenomenologia do Espírito, de Hegel, na tradução do professor Barata-Moura. Tenho a intenção de pegar no livro e entregar-me aos devaneios idealistas do senhor Georg Wilhelm Friedrich, ir da certeza sensível até ao saber absoluto? Nem por isso. Então, diz-me a consciência, por que raio compraste esse tijolo que exige mais três centímetros de prateleira? Porque tenho um coração inclinado ao patriotismo, respondi. A consciência, não se ficou e retorquiu, citando o celebrado dr. Samuel Johnson, o patriotismo é o último refúgio do canalha. Foi nisso que te tornaste? Por Deus, exclamei e passei à explicação. Temos um mercado de bens culturais escasso, muito escasso. Ora, sempre que é traduzida uma grande obra da literatura universal ou da filosofia – embora esta não seja outra coisa senão literatura – eu disponho-me a comprá-la, mesmo que não me disponha a lê-la. Isto por solidariedade com o tradutor e o editor. A consciência olhou-me de lado e perguntou-me se eu queria arruinar-me. Aqui eu sorri e perguntei, de forma enfática, arruinar-me? Em primeiro lugar, são escassas as grandes obras universais. Depois, ainda são mais escassas – e lentas – as suas traduções. Há tempo para recuperar de qualquer extravagância. O patriotismo está aqui, acrescento, no contributo para alargar o mercado de bens a que os portugueses não são particularmente sensíveis. A consciência encolheu os ombros e olhou-me como se eu fosse um caso perdido. Sou-o, claro, mas não mais que qualquer outra pessoa, real ou virtual.
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