Há coisas que os homens nunca deviam saber. Veja-se por exemplo o seguinte: O rei Uther Pendragon, governante de toda a Grã-Bretanha, estava em guerra havia muitos anos com o duque de Tintagil na Cornualha, quando soube da beleza de Lady Igraine, a esposa do duque. Eis uma novidade desnecessária a um rei. Nunca se sabe quão funestas são as consequências que um conhecimento arrasta atrás de si. Não se pense, porém, que este caso é original. Basta recuar ao paraíso. Também o saber que Eva adquiriu era desnecessário e as consequências dessa sabedoria são aquelas que todos experimentamos. Até o mais extremo e radical dos ateus sabe pelo menos uma coisa. Mesmo que nunca tenha existido um paraíso originário, nem um Adão, nem uma Eva, nem uma árvore do conhecimento, as consequências do acto de Eva e de Adão são absoluta e incondicionalmente verdadeiras. Alguém interessado em discussões estéreis perguntará de imediato como é que um efeito pode existir e ser verdadeiro, sendo falsas as causas. Uns rudimentos de lógica dão a chave para o mistério. Imaginemos a seguinte proposição condicional: Se existiu um paraíso e nele havia um casal humano (Adão e Eva) criado por Deus, que se deixou tentar e comeu o fruto proibido, então os seres humanos tornaram-se mortais, têm de trabalhar e tudo o mais que lhes acontece a cada dia. Se a proposição antecedente, a que vai do ‘Se’ até ao ‘então’ é falsa, a consequente, a que se segue ao então, é verdadeira. Logo, a proposição condicional é verdadeira. Se Eva não tivesse curiosidade em saber ao que sabia o fruto da árvore do conhecimento, também Uther Pendragon não saberia da beleza de Lady Igraine, e o mundo seria um lugar mais respirável. E assim entro na parte final desta sexta-feira. Há uma trovoada seca, a atmosfera está irrespirável e este narrador, sem apetite para os deveres que tem pela frente, ouve os Gurre-Lieder, de Arnold Schönberg.
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