Estou a ouvir o concerto nº 1
de Il Cimento dell’Armonia e dell’Invenzione, Opus 8, de Antonio
Vivaldi. Ao todo são doze concertos, mas quase só são conhecidos do grande
público os quatro primeiros, ditos As Quatro Estações. É curioso o
processo de denominação desses concertos. Começa com a Primavera, depois
o Verão, segue-se o Outono e, de imediato, o Inverno. O
quinto, talvez por as estações serem só quatro, recebe o nome de Tempestade
no Mar, e o sexto a designação de O Prazer. A partir daí, não há títulos.
Terá Vivaldi ficado sem imaginação para encontrar designações para os últimos
seis? A estes apenas coube o número e a tonalidade. Talvez ele tenha pensado
que, nestes últimos concertos, não deveria simbolizar fosse o que fosse. Seriam
símbolos de si mesmos, pura música sem qualquer mácula exterior. Ou talvez lhe
tenha dado nomes e estes se tenham perdido, ou ele se tenha esquecido. Lá fora,
o céu está com um ar tempestuoso, mas não chove, não troveja, nada. Entre a
escrita destas palavras e chamadas de telemóvel, chegou o quinto concerto. Há
uma tempestade marítima, o mar agitado, raios e coriscos fazem os marinheiros praguejar,
o revérbero nas águas encadeia quem as olha, a música é uma sombra cintilante
na pradaria de Junho, onde os rebanhos adormecem. Volto à cidade, embora esta
não seja mais do que uma pequena vila exausta, a perder sangue, uma terra vergada
pela anemia. O mar tempestuoso fica longe. Na rua, um casal passa, ele à
frente, ela atrás, vão presos à sua indiferença, enquanto o CD chega ao
primeiro movimento, Allegro, do concerto Il Piacere. Suspendo a
escrita e deixo-me levar no prazer de ser levado.
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