Por aqui está um tempo estupendo. O céu coberto de nuvens, um ar fresco, mas não gélido, mesmo o vento quase frio sopra com sensatez. Nem sequer chove. Para um dia de Dezembro está mesmo muito bom. A perfeição não é coisa que faça parte da minha natureza, por isso sou inclinado ao egoísmo. Eu sei que os veraneantes se sentem deprimidos, alegam faltar-lhes sol, para que possam mergulhar no oceano e depois deitar-se na areia, mas com tantos lugares para uma pessoa se deitar, por que razão terá de ser na areia? Eu sou um banhista não praticante. Creio firmemente que a água do mar faz muito bem, que o iodo faz ainda melhor, mas a fé não me leva a pôr um pé na praia. Este ano estou ainda mais limitado, pois suspendi as longas caminhadas junto ao mar. Um défice na acumulação de pontos cardio que se aproxima da dívida pública. O pé, o meu pobre pé direito, continua em convalescença, com visitas semanais ao cirurgião e, com mais assiduidade, às salas de enfermagem, onde é submetido a esmerada atenção e a comentários que vou registando. Pois, dizem, é um sítio difícil, logo aí, ah, pois, de novo, vai demorar tempo a cicatrizar. Olhe, abriu um pouco. Olho, mas não vejo nada. Eu digo que sim e oiço: o melhor é evitar andar. Dá-me vontade de perguntar se tenho de voar, mas contenho-me. Esqueci-me de trazer as asas e se me dissessem para voar, sentir-me-ia vexado por não ter como fazê-lo. A memória já teve melhores dias, como é possível esquecer as asas em casa? Porque está um excelente dia de Inverno, vou almoçar na rua, sob um telheiro. Se chover, estarei protegido.
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