Há mistérios indecifráveis. Não me refiro, claro, aos segredos que o Pentágono ocultará de naves e restos biológicos alienígenas, coisa que não terá qualquer mistério. Há pouco, ao abrir um livro, deparei-me com um bilhete de entrada numa casa-museu existente no Ribatejo, antiga propriedade de um importante republicano, filho de um acérrimo monárquico, coisa que acontece muitas vezes. É um bilhete curioso, pois tem o preço de entrada em escudos e em euros, o que me leva a presumir que terei feito a vista nesse tempo em que ainda não nos tínhamos esquecido dos escudos, mas que já só circulavam os euros, o que está de acordo com a minha memória. O mistério está nos números escritos a lápis no verso do bilhete. Reproduzo: 284-355; 357-385; 243-255; 125-153. Descobri que indicavam excertos específicos do livro. Até aqui não há mistério. Este surge quando considero aquela caligrafia. Aqueles números não foram escritos por mim. Ora, o livro em causa não foi adquirido em segunda mão e não me lembro de alguma vez o ter emprestado a alguém, até porque quem poderia interessar-se por ele também o terá. Quem terá escrito aqueles números? A caligrafia é marcadamente feminina, mas não conheço ninguém do sexo feminino que se interesse por aqueles temas, e as mulheres que se interessam por ele não me conhecem e, por isso, não me poderiam ter dado sugestões de leitura. Restam-me hipóteses metafísicas. Por exemplo, alguma mulher me enviou uma mensagem codificada, que eu terei guardado no livro, mas cujo código de decifração esqueci, assim como o envio da mensagem e a própria mulher. Outra hipótese é a da existência de anjos do sexo feminino. Uma delas, querendo que eu lesse aquelas páginas deixou-me a mensagem no interior do livro. Parece-me uma hipótese bastante plausível. Não consigo, porém, perceber qual o interesse desse anjo feminino em orientar-me na leitura de coisas tão terrestres. Vou ler aquelas páginas e talvez descubra a razão de a mensageira me ter deixado tal mensagem. Talvez o mistério não seja indecifrável, embora, lamentavelmente, eu não seja um Sherlock Holmes.
O número mais interessante que li até hoje foi 2666, de Roberto Bolagño. Não tinha nenhuma marca dentro, a não ser a de uma cidade.
ResponderEliminarNão li o 2666, nem qualquer outro livro de Roberto Bolagño. Talvez um dia destes.
EliminarNão querendo aborrecê-lo, isto da literatura tem certos *númaros*.
EliminarÉ possível.
Eliminar