Um carro ronca no vazio da tarde. O condutor, por certo um homem, confunde-se com o vazio das ruas e pensa que está no circuito de La Sarthe, onde se correm as 24 Horas de Le Mans, e não numa pacata cidade de província, onde as pessoas, nos domingos do Estio, almoçam tarde e ficam por casa à espera que a soalheira passe. Há um problema qualquer com o QI dos portugueses, que se manifesta mais acentuadamente quando têm um carro nas mãos. Nunca deixa de me espantar a Electra, a revista cultural da Fundação EDP. São 250 páginas de grande qualidade. Desde o papel, aos artigos, passando pela reprodução de fotografias e de pintura. O mais impressionante é o preço, nove euros por número. A assinatura fica por vinte e sete euros/ano, quatro números. A do Verão de 2023 traz algumas reproduções de quadros do pintor suíço Felix Valloton, de que gosto bastante. Traz artigos sobre o wokismo e ócio e lazer, assim como um trabalho sobre o escritor italiano Carlo Emilio Gadda. Este é considerado um dos grandes clássicos do século XX, ao lado de figuras como Proust, Musil, Joyce, etc. Nunca li nada dele e não encontrei rasto de traduções em português de Portugal, embora existam algumas em português do Brasil. Um dos destaques do artigo de Luca Mazzocchi reza assim: É inegável que ler Gadda é tarefa difícil e espinhosa, mas as dificuldades que se apresentam ao leitor nunca são arbitrárias, nem criadas para fazer efeito. Pelo contrário, são coerentes com a sua visão filosófica da realidade enquanto sistema de sistemas, onde cada um deles existe em relação aos outros, e é modificado e deformado pelos outros, tal como a realidade continuamente se modifica e deforma. Neste momento, lamento não saber italiano para me confrontar com as obras de Gadda. Resta-me o recurso a traduções em línguas amigáveis para tentar essa tarefa difícil e espinhosa, isto é, dolorosa. Talvez a leitura do escritor italiano seja uma via crucis, um caminho de salvação.
Sem comentários:
Enviar um comentário