Como estou sem assunto – coisa, aliás, recorrente – e como não me apetece falar do clima, retorno a um assunto abordado no outro dia, os livros da minha vida. A certa altura, os livros de aventuras no longínquo oeste norte-americano foram substituídos pelas aventuras da Enid Blyton. Talvez exista aqui uma imprecisão. É possível, muito possível, que tenham sido coevos. Contudo, não é essa fileira que me interessa aqui, mas uma outra que me acompanhou mais tempo, mesmo quando já lia coisas sérias, muito sérias, e pensava que era existencialista e que o absurdo dominava o mundo. Imagino que isso seria para fazer número. Essa fileira é a do romance policial. Contudo, não admirei apenas as forças do bem, os Holmes, os Poirot, as Marple, os Mason, os Wolfe, os Maigret. Todos estes tinham um génio orientado para tornar manifesto os maus que praticavam o mal. Confesso que gostava imenso do gentleman gatuno Arsène Lupin e do sociopata, mestre em disfarces, Fantômas. Apesar das horas passadas na sua companhia, nunca me senti impelido para os imitar. O mal que eles praticavam nunca me pareceu o bem. Há relativamente pouco tempo comprei e li dois ou três romances de Arsène Lupin, mas não tiveram qualquer impacto sobre mim, nem negativo, nem positivo. A certa altura da minha existência, ainda com relativa pouca idade, li algumas obras de Hermann Hesse. Na altura, fiquei fascinado, mas por volta dos trinta anos, quando tentei lê-los de novo, senti uma enorme estranheza por aquela literatura e perguntei-me como tinha conseguido ler aquilo. Talvez me devesse perguntar outra coisa: como consegui ser aquilo que era para gostar de ler aquilo. Contudo, essa pergunta poderia levar-me a um trabalho excessivo para encontrar uma resposta e fiquei pela primeira. Diante de mim tenho um romance de Maurice Leblanc, Arsène Lupin Joga e Perde. Será que o vou ler?
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