Não sei o que se passa em mim. Por vezes, sou perturbado por estranhas decisões. Comecei ontem a ler Duna, de Frank Herbert. Qual o problema? Não foi esse romance que esteve na origem do filme Dune, de David Lynch? Sim, foi. Contudo, trata-se de ficção científica. Com tanta coisa fundamental para ler, por que razão gastar o tempo com esse tipo de literatura? Não faço ideia. Podia adiantar algumas razões. Por exemplo, gosto da editora portuguesa que publicou todos os romances da série; leio muitos livros publicados por ela. Outra razão será a capa: gosto das capas. E razões mais substantivas, não há? Esta pergunta veio nem sei bem de onde. Claro que posso apresentar razões mais interessantes. Se toda a ficção é um laboratório onde a vida se ensaia através de experiências imaginárias, a ficção científica fá-lo de um modo mais acentuado, pois desenha espaços e tempos que estão para além da experiência possível. Se não é assim, então deveria ser. Bem, não sou versado no tema, mas predispus-me a descobrir o que tem este género de literatura que represente um contributo da imaginação que não exista no romance tradicional. Fui educado numa espécie de literatura muito específica, a que se deu o nome de Filosofia. Os filósofos juram que usam a razão, deixando a imaginação para a arte. Nunca fiquei convencido. Os diálogos de Platão são racionalizações de um foco imaginário, o qual, não poucas vezes, é indisfarçável, e o autor, ao lado de argumentações mais ou menos sistemáticas, não consegue evitar o mito, o recurso explícito à imaginação, à literatura. Mesmo autores mais austeros, como Kant, fazem literatura, mobilizando a força da imaginação para dar vida e energia a conceitos e argumentos, uma literatura muito específica, que deve ser compreendida também a partir da poética e, pasme-se a heresia, da retórica. Volto à ficção científica: aquilo que me interessará, então, é ver como a poética e a retórica, utensílios da imaginação, aí operam. Estas são as minhas razões de hoje, talvez influenciado por ter ido à consulta de oftalmologia, tendo recebido a notícia de que os olhos de hoje estão como há dois anos e meio, que vá lá daqui a um ano, talvez haja novidades, porque, agora, ainda vejo bem. Eu achei que a médica também tinha uma certa propensão para a literatura, talvez para a ficção científica. Disse-me aquelas coisas depois de me espreitar para dentro dos olhos e ter-me posto a ler textos cada vez mais pequenos, que eu ia lendo sem óculos. Aliás, os textos não eram grande coisa. E, se os olhos me arderem, que lhes ponha um lubrificante. Imaginei que este era um recurso retórico desnecessário, que talvez ela não tivesse jeito para a ficção, nem a científica nem a outra. Mas nunca se sabe aquilo que vai na alma de uma pessoa que passa a vida a espreitar para dentro dos olhos dos outros.
ResponderEliminarNão se arrependa, vai ver que gosta.
E depois continue com Ray Bradbury, Ian M Banks, Ursula K Le Guin, K J Parker. O problema depois é parar.