Quando, depois de almoço, assomei à varanda do escritório, pensei que Deus era, além do Grande Arquitecto, o Grande Lavrador. Tinha ligado a rega por aspersão e, das nuvens cinza pálida que O velavam ao nosso olhar, enviava uma chuva finíssima regar, não sem extremo cuidado, o mundo, preocupado com as suas culturas, muito dadas ao míldio e à botrytis cirenea. Que elas, tão propensas à murchidão e à morte prematura, não murchassem e as coisas não se tornassem mais dramáticas do que são. Foi este, juro-o, o pensamento que perpassou na divina mente. Se me perguntarem, espero que não o façam, o que é a botrytis cirenea, eu responderei que é a podridão cinzenta. Todos sabemos que cada coisa apodrece na sua própria cor. Umas apodrecem em vermelho, outras em amarelo. Há as que apodrecem em negro e outras, as mais ousadas, fazem-no em branco. Apesar de ser sábado, passei a manhã em meditação conjunta, embora à distância, sobre a vexata quaestio da moralidade, ou ausência dela, do aborto. Não me perguntem a que conclusões cheguei, pois recuso-me a partilhar o que aflorou à minha mente, que não é divina. Ainda hei-de meditar sobre a eutanásia e, pasme-se, sobre a moralidade da pornografia. Aquilo para que uma pessoa está guardada. No entanto, posso informar, estas meditações não conduzem os meditantes ao nirvana, nem a experiências místicas e ajudam, a quem a elas se entrega, a ficar com mais dúvidas do que aquelas que tinha, se é que as tinha. Uma coisa, talvez a única, vale a pena meditar. Se as alfaces podem apodrecer com botrytis cirenea, qual a cor em que pode apodrecer quem se entrega a pornografia?
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