O facto de ser sábado tem-me trazido, nos últimos tempos, uma novidade, cada vez menos nova, saliente-se. Acordo com estupor e nem os rituais que se seguem fazem com que deixe de estar estuporado durante longo tempo. Sento-me, paralisado, e fico a olhar para nenhures. Isto trouxe-me à lembrança os velhos da aldeia onde nasci que se sentavam ao sol no largo da Igreja e ficavam ali, presos no estupor, a cismar, como quem acerta contas com a vida. Esses velhos já não cismarão há muito, pois quando o faziam eu era criança e agora sou quase tão velho quanto eles o eram. Terá chegado a minha vez de cismar. Apesar desses velhos serem exímios cismadores, não há como os gatos para o fazer. Ficam de olhos semicerrados, imóveis, talvez com pena de não serem esfinges egípcias, enquanto o tempo passa e eles meditam. Alguns, posso assegurar, atingem então o nirvana reservado aos felinos e transformam-se em budas. Nada disso, porém, acontecia com os velhos da minha aldeia. Nunca se tornaram budas. O que será também o meu destino, pois nasci na sua aldeia e talvez sejamos das mesmas famílias, nem que seja lá muito atrás. Ainda não espreitei a Sá Carneiro para descortinar a intensidade com que os meus conterrâneos estão a confinar. Julgo que terei de ir fazer compras, mas o que me apetece mesmo é ficar o dia a olhar para lado nenhum, como se fosse uma esfinge ou um gato, a cismar sobre o mundo e a vida, ou sobre coisa nenhuma que ainda é o melhor que há para cismar. Tudo isto por causa do estupor.
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